Cidades descaracterizadas. Turismo é tábua de salvação ou o problema?

É certo que o turismo é uma das maiores tábuas de salvação da economia portuguesa. Mas, como muitos dizem, “o que é demais, enjoa”. Se há quem ache que Portugal não tem turismo a mais, há quem se preocupe com o que o turismo pode tirar às cidades: cultura e moradores.

Diz-se por aí que Lisboa tem turismo a mais. E, se falamos em Lisboa, também Porto ou Sintra não ficam atrás. Há quem defenda que o facto de estas cidades e da vila estarem cada vez mais viradas para a atividade turística prejudica quem lá vive e descaracteriza-as por completo. Mas também há quem pense o contrário e recorde que, antes do turismo, muitas zonas das cidades de Lisboa ou do Porto estavam ao completo abandono. São duas versões diferentes que mostram os dois lados da mesma moeda e que corroboram que, como se costuma dizer, o turismo pode ser um pau de dois bicos.

O caso mais recente no que diz respeito às criticas é um artigo do jornal espanhol El País que muito tem dado que falar e que diz que Lisboa está a morrer do seu próprio êxito. 

No artigo, o jornal fala com Miguel Coelho, presidente da Junta de Freguesia de Santa Maria Maior, que lamenta que, nos últimos 11 anos, a freguesia perdeu população “porque as pessoas foram forçadas a sair não só por causa da grande crise económica, mas porque o Governo de direita que existiu durante os anos da troika aplicou medidas que permitiram expulsar pessoas, e que coincide também com a entrada em cena de uma atividade aparentemente inofensiva, os apartamentos turísticos, profundamente invasiva para as pessoas”.

Mas estará mesmo Lisboa a perder a sua identidade e a sua essência? Lídia, que mora no centro da cidade, numa zona histórica, diz que sim. “Se for a um café, já ninguém fala português. É tudo virado para o turismo mas e quem cá vive?”, questiona indignada. “Percebo que o turismo dê muito à cidade mas não podemos esquecer quem cá mora e quem, apesar de todas as adversidades, não tira daqui os pés. O que é demais, enjoa. Qual é a ideia? Tirarem quem cá vive e deixar apenas para quem visita de vez em quando?”, critica ao nosso jornal. 

Quem não concorda que Lisboa esteja a perder identidade ainda que esteja em risco disso é Carla Salsinha, presidente da União de Associações do Comércio e Serviços (UACS). “Não, Lisboa não está descaracterizada, mas claramente se o município em conjunto com todas as estruturas do turismo não criar uma plataforma de levantamento das questões preocupantes que estão a surgir e criar as soluções corremos seriamente esse risco. Temos bairros que correm esse risco”, diz ao i. E, ao Nascer do SOL, a responsável já tinha garantido que “é um mito quando se diz que Lisboa está com excesso de turismo”, defendendo que a capital portuguesa tem capacidade de crescer mas, “pela estrutura da própria cidade, pela sua dimensão e por ter uma concentração muito grande de monumentos e equipamentos turísticos, há, de facto, uma grande concentração”. 

Ao i, desta vez, Carla Salsinha defende que, para que Lisboa não corra o risco de perder a sua identidade – que considera ainda não ter perdido –, há muito trabalho a fazer. “Lisboa tem de reunir os diferentes players e em conjunto decidir quais as melhores opções”, diz, acrescentando que “são várias as capitais europeias que estão a viver este problema e com mais anos de turismo do que Lisboa e com uma experiência já acumulada e a implementar soluções”, como é o caso de Barcelona, Paris, etc. “Não precisamos de inventar ou de grandes períodos de reflexão, temos é de agir”, acrescenta.

Para que isso não aconteça, Carla Salsinha defende ser necessário “criar uma gestão de fluxos, criar plataforma única de entradas em museus e monumentos que permita o equilíbrio e a dispersão por outras zonas da cidade. Criar novas centralidades. São alguns exemplos”. 

Quem também considera que Lisboa não tem turismo a mais é a Associação da Hotelaria de Portugal (AHP). Cristina Siza Vieira, vice-presidente executiva da associação chegou a dizer ao Nascer do SOL que “Lisboa ganhou a relevância que tem como destino turístico de excelência precisamente por que mantém a sua alma e identidade”, acrescentando que “todos os turistas que nos procuram destacam precisamente as características únicas da nossa cidade, da nossa população, gastronomia e cultura como elementos distintivos e estruturantes”.

No entanto, Carla Salsinha acaba por destacar problemas do turismo: “A subida dos preços e da habitação é um reflexo direto não podemos negar” (ver páginas 14-15). Mas há muitas coisas boas: “O número de empregos e de micro-empresários criados pelo turismo e a requalificação da nossa cidade são inegáveis e um resultado positivo do turismo”.

Problema estende-se a Sintra e Porto 

Em Sintra, os moradores também se queixam do excesso de turismo. Os comerciantes falam em descaracterização da vila e até nasceu um protesto da associação QSintra que, com cartazes espalhados pela cidade e com as suas vozes garantem que “a lotação está esgotada” e que Sintra “não é a Disneylândia” (ver páginas de 10 a 13). 

O mesmo acontece no Porto. De tal forma que a autarquia teve que tomar medidas. O “excesso de pressão turística” no centro histórico daquela cidade levou a autarquia, em março, a anunciar ter desenhado uma estratégia para promover a cidade ‘dividindo-a’ em oito quarteirões, rejeitando o perigo de perda de autenticidade em zonas atualmente não turistificadas. “A opção por um turismo mais sustentável e por uma maior qualidade de vida dos residentes do Porto obriga a repensar a cidade como destino turístico e trabalhar para um turismo mais especializado, capaz de aproveitar as potencialidades de toda a cidade e não apenas da Baixa e Centro Histórico”, chegou a explicar a câmara liderada por Rui Moreira em comunicado.

Na apresentação da estratégia, Catarina Santos Cunha, vereadora da autarquia portuense disse que “o turismo não pode ser visto como uma ameaça. É uma oportunidade para o crescimento económico, social e cultural”.