Bancos e laços de família

A juíza que validou a condenação dos bancos a uma multa recorde é sobrinha de Ana Gomes. A antiga eurodeputada do PS fundou a associação que pede agora 5,5 milhões de indemnizações.

A Ius Omnibus – uma associação sem fins lucrativos fundada por Ana Gomes – pode vir a ser beneficiada pela sentença do Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão de Santarém (TCSR). A associação avançou com cinco ações populares contra 12 bancos em Portugal, que estão a ser acusados de terem violado as regras da concorrência no mercado de crédito durante mais de uma década. Um caso que ficou conhecido como o ‘cartel da banca’.

As ações populares deram entrada no Tribunal onde o outro caso já foi julgado pela mesma juíza, Mariana Gomes Machado, sobrinha de Ana Gomes. Isto significa que, no caso de vencer a ação, a Ius Omnibus acaba por ser beneficiada pela sentença da sobrinha da fundadora da Associação.

A somar há que ter em conta o modus operandi da associação:se os consumidores portugueses não reclamarem essa indemnização a que têm direito, o que sobrar vai para os cofres da Ius Omnibus e para o Ministério da Justiça para questões relacionadas com o acesso ao direito, além dos escritórios de advogados que patrocinam as ações.

De acordo com a associação, o objetivo «é fazer com que 12 dos bancos que atuam no mercado português compensem os consumidores pelos danos causados por um cartel em violação das regras de concorrência da União Europeia, tal como declarado pela Autoridade da Concorrência», acrescentando que «o ‘cartel da banca’ envolveu uma troca contínua de informações sensíveis sobre preços e outras condições comerciais de crédito à habitação, crédito ao consumo e crédito para PMEs, durante 11 anos, de 2002 a 2013 (período relevante)». Reclamam uma compensação avaliada na ordem dos 5.368 milhões de euros. A AdC, no entanto, concluiu que se tratava não de cartel mas de «uma troca de informação sensível».

A associação fundada e inicialmente liderada por Ana Gomes aproveitou assim a boleia da sentença do tribunal de Santarém, assinada pela juíza Mariana Gomes Machado, que aplicou coimas de 225 milhões de euros a mais de uma dezena de instituições financeiras, incluindo os maiores bancos portugueses, nomeadamente, a Caixa Geral de Depósitos (CGD), BCP, Santander, BPI e o antigo BES, por práticas anticoncorrenciais que alegadamente terão prejudicado os consumidores entre 2002 e 2013. De fora ficou o Barclays, que teve um perdão total da coima de oito milhões por ter denunciado a infração.

Na altura os bancos admitiram a troca de informações, mas recusaram ter praticado qualquer infração, considerando que as informações trocadas eram públicas e passavam pelas mãos de funcionários sem poder de decisão. Por isso, defenderam que não resultou qualquer dano para os consumidores, ao contrário do que alega o TCRS.

Outros casos

Em 2020, no ano em que a associação foi criada pela ex-eurodeputada do PS,_a Ius Omnibus pediu à Mastercard uma indemnização de 400 milhões de euros. A ação deu entrada no TCRS e avançou depois de a empresa ter sido penalizada pela Comissão Europeia, em janeiro de 2019, invocando que o «comportamento ilícito» já estava «provado». Na altura defendeu que «todos os consumidores portugueses foram afetados pelas práticas anticoncorrenciais da Mastercard, através do aumento dos preços dos produtos e serviços que adquiriram, independentemente do modo como os pagaram», considerando que a Mastercard «violou continuamente o direito da concorrência europeu e português, entre 2000 e 2019». Sobre este caso ainda não há qualquer decisão.

O processo também deu entrada no tribunal de Santarém e, caso a Ius Omnibus vença a ação, caberá ao TCRS fixar o montante global, para ser depositado num fundo de indemnização, decidindo depois como identificar os consumidores lesados. Assim como calcular a quanto cada um tem direito e o que deve apresentar para reclamar a sua indemnização.

No entanto, define-se que o valor que não for solicitado será usado para pagar ao fundo de investimento que promoveu a ação: a Nivalion. Todas as ações interpostas por esta associação de consumidores são financiadas por fundos internacionais, também chamados de «fundos abutres», sediados em offshores._

Na mesma altura, a associação fundada por Ana Gomes avançou com uma outra ação contra a Super Bock pedindo o mesmo montante. Em causa estava a fixação de preços de revenda. «Há décadas que a Super Bock tem adotado as mesmas práticas ilegais. Os consumidores acabaram por pagar mais pela compra de cervejas Super Bock, Carlsberg, Sommersby e Água da Pedras», explicou na altura.

Neste processo, a Ius Omnibus esclarece que se os consumidores portugueses não reclamarem essa indemnização, o valor irá para os cofres da associação e para o Ministério da Justiça para questões relacionadas com o acesso ao direito.

Mais recentemente a associação levou a Google e a Apple a tribunal por práticas anticoncorrenciais relacionadas com as lojas de aplicações dos seus sistemas operativos (Android e iOS). A estes casos juntam-se ainda processos contra a EDP, a rede social TikTok e a Sony (Playstation).

A grande maioria das ações interpostas pela Ius Omnibus têm o patrocínio do escritório de advogados Sousa Ferro e Associados, liderado por Miguel Sousa Ferro, ex-presidente da Mesa da Assembleia Geral da mesma Ius Omnibus.

Ao Nascer do SOL, Ana Gomes respondeu: «Nada tenho a ver com a Ius Omnibus. E sim a juíza é minha familiar. Mas obviamente nada tenh a ver com sentença e caso».