Enquanto crítico literário, Fredric Jameson começa por se destacar por, ao longo de mais de cinco décadas, ter sempre manifestado a crença de que a leitura em si mesma é uma via para a insubordinação, para uma transformação do mundo, mesmo se limitada à perspetiva daquele que, tantas vezes, se acha isolado no meio de toda a confusão e perplexidade que toma conta dos que se veem capturados numa legibilidade instantânea dos elementos ao seu redor, perdendo a experiência da própria linguagem, e, portanto, o ângulo essencial de toda a postura crítica. Há quem estranhe hoje uma propensão radical que anima ainda algumas propostas críticas, essas que enfrentam a cada passo uma série de objeções, sendo o seu empenho desmerecido e acusado de um destravado quixotismo, de ler a realidade com lentes ideológicas, quando o que fazem esses leitores é precisamente recusar a ingenuidade e procurar o substrato e o enredo no qual emergem os produtos de consumo em que as indústrias culturais nos fazem tropeçar. Na base da atual cultura amnésica, Jameson identificara há muito um efeito de diminuição da historicidade, ligando-o à lógica cultural do capitalismo tardio. Em nome da clareza e de um suposto pragmatismo das formas discursivas, há muito que nos encerrámos num quadro de perceções mesquinhas, e à medida que diminuía a nossa compreensão dos signos, perdendo-se a frescura e a força dos atos de linguagem, o que parecia estiolar era a própria textura do mundo contemporâneo, ficando cada um de nós à mercê dessa articulação de impulsos ou estímulos que se sucedem a um ritmo vertiginoso e dissolvem a perspetiva individual. Como assinala Terry Eagleton, outro crítico literário de feição marxista, o quadro restritivo que nos autoimpusemos gerou a ameaça de um desmantelamento da sensibilidade verbal, afetando decisivamente a nossa capacidade de traduzir e compreender criticamente aquilo a que nos submetemos, muitas vezes produtos, conteúdos ou torrentes de informação embebidas de propaganda ideológica, todo este «mundo superficial, comodista e de leitura instantânea do capitalismo desenfreado, na utilização sem escrúpulos que ele faz dos signos, na comunicação computorizada, na sua aparatosa acumulação de ‘experiência’». Jameson, que morreu no passado domingo, aos 90 anos, cunhou a expressão «modo de nostalgia» para descrever um dos impasses da cultura pós-moderna como a incapacidade «de focar o nosso próprio presente, como se nos tivéssemos tornado incapazes de obter representações estéticas da nossa própria experiência atual». Ele assinalou um traço comum a uma série de obras nas quais reconhecia «um apego formal às técnicas e fórmulas do passado, consequência de um retraimento perante o desafio modernista de introduzir formas culturais adequadas à experiência contemporânea». Em seu entender, esta era a denúncia desse elemento desolador e pervasivo do capitalismo de consumo, o qual estava a programar «uma sociedade incapaz de lidar com o tempo e a história».
«Num mundo de perceções flutuantes e de acontecimentos consumíveis instantaneamente», como refere Terry Eagleton, «nada permanece em sossego o tempo suficiente para assentar as bases de uma memória profunda, da qual depende a experiência». Por outro lado, também se perde esse vínculo com a tradição, que é sempre o meio através do qual a experiência consegue obter referências e mapear o seu percurso, estabelecendo comparações e contrastes. E, perante tudo aquilo que hoje nos subtrai à realidade, «a experiência, que foi outrora, em toda a sua rica especificidade, uma maneira de resistir aos bens materiais, é agora só mais um deles».
Como referiu Mark Greif num ensaio publicado nas páginas da Harper’s magazine, Jameson esteve sempre associado ao impulso «historicizante» de enquadrar as obras literárias e culturais na sua data e fase de sequência económica… «Ele era o crítico literário branco e americano mais importante para aquele conjunto de autores que consideram que a sua área de estudo é o presente. Ele impregnou o seu estudo literário-académico de urgência e de um sentido de oportunidade titânico. As suas descobertas prometem perturbar as mesas de jogo de todas as escolas de pensamento onde se aposta quanto às novas e ainda não testadas formas artísticas e que recompensam os ociosos: o amor pela novidade, a vontade de fazer ou desfazer reputações, o desejo de estar na moda ou au courant. O seu objetivo é conhecido, mas raramente falado, tão suscetível de suscitar olhares de estupefação como de ardor: medir o equilíbrio de forças em cada momento e observar o globo, as suas nações, partidos e classes, de tendência regressiva ou revolucionária, procurando onde e quando as forças do progresso podem desferir um golpe; e inspecionar cada avanço do capitalismo à luz da possível inversão dialética através da qual, de uma forma imprevista e num momento não escolhido pelos homens, esta expansão gananciosa pode tornar-se o meio da revolução comunista e da redistribuição».
Depois de ter dado aulas em Harvard, Yale e U.C. Santa Cruz, em 1985 Jameson foi contratado pela Universidade de Duke, não sem alguma fanfarra, o que estava em linha com uma era em que as principais instituições de ensino competiam entre si elevando o perfil dos seus professores como verdadeiras celebridades no universo académico. Apesar disso, Jameson resistiu a tornar-se um intelectual público à maneira de Harold Bloom, que gostava de ir à televisão e dar entrevistas aos jornais, aparecendo umas vezes como uma figura oracular outras como mais outro bufão mediático. Jameson começou por ser conhecido no início dos anos 70 por ter feito uma criteriosa introdução às análises das teorias europeias da literatura, tendo guiado os seus pares norte-americanos na tradição da crítica da cultura de língua alemã, e no pensamento de pensadores marxistas ocidentais. Figuras que estiveram ligadas à Escola de Frankfurt e que, após a Revolução de Outubro, adaptaram o pensamento de Marx ao estudo da arte e da cultura das nações fora do bloco soviético. Muitos dos livros em que se baseou eram ainda inacessíveis em inglês. De seguida, analisou os formalistas e linguistas russos e da Europa Central e os seus descendentes franceses, os estruturalistas. Não demoraria a ficar claro que Jameson estava a apresar o seu próprio arsenal, a partir dos restos e detritos de antecessores esquecidos de todos os lados, e a reconstituir uma tradição à qual pretendia aderir e dominar. E foi em 1981, que publicou o título em que inscreveu a «declaração definidora» do seu método, The Political Unconscious, definindo todo um programa para resgatar a crítica das mensagens ideológicas tácitas e da luta de classes obscurecida nos romances de escritores canónicos.