Quando, a 7 de novembro de 2023, António Costa apresentou a demissão de primeiro-ministro e de líder do PS, o Presidente Marcelo protelou até ao limite a formalização da aceitação daquele pedido, por forma a ganhar o máximo de tempo, não apenas para possibilitar que os socialistas pudessem reorganizar-se e tratar do processo de sucessão com a normalidade possível, mas, sobretudo, para permitir que a maioria absoluta então existente no Parlamento aprovasse a proposta de Orçamento do Estado para 2024.
E o país ficou quatro meses com um Governo de gestão e um primeiro-ministro demissionário, em plena e longa campanha eleitoral, à espera da ida às urnas.
O novo Orçamento do Estado, dizia o Presidente, era essencial para o não comprometimento da boa execução dos fundos europeus, designadamente do PRR, e para aliviar tensões sociais que se agravavam em vários setores do Estado, da Educação à Saúde, da Justiça à Segurança.
Ora, o Governo socialista em gestão aproveitou esses meses de intermezzo para inscrever na partitura das contas públicas a música que passou a tocar em período eleitoralista.
Não dará para tudo, naturalmente – até porque, objetivamente, não há dinheiro que chegue –, mas há margem e almofadas para acomodar muitos dos compromissos entretanto assumidos.
Pelo menos, é_o que nos dizem reputados economistas e especialistas em Finanças Públicas – como, para citar doutas entrevistas só dos últimos dias, Vítor Bento ou Ferreira Machado.
Governar em duodécimos com um Orçamento do PS_que podia ter sido aprovado pelo PSD – as divergências já então, como agora, foram quase nenhumas – não é drama de maior. Embora, claro, não seja indiferente para quem governa ver aprovada a sua proposta orçamental, mesmo que com cedências à Oposição, ou ver-se condicionado às baias dos duodécimos.
Mas daí a dizer-se, como o Presidente veio fazê-lo e o primeiro-ministro logo secundou, que isso é lançar o país numa crise económica e numa crise política é manifestamente exagerado.
E injustificado.
No final do ano passado, quando António Costa apresentou a demissão, Marcelo não tinha alternativa à dissolução da Assembleia da República e à convocação de eleições antecipadas.
A ténue esperança que alguns socialistas, a começar no próprio Costa, e compagnons de ‘geringonça’ ainda tinham de o PS_poder indicar um novo primeiro-ministro e formar um novo Governo aproveitando aquela maioria absoluta era grotescamente infundada.
Como está mais do que visto, o mal não estava na cabeça mas, sim, espalhado pelo corpo todo e, como assim, já não havia nada a fazer.
O Governo de maioria absoluta de António Costa foi mau demais. Tirando as ‘contas certas’ – e até essas com seus malabarismos –, falhou em tudo.
E o dinheiro vivo encontrado na Residência Oficial do primeiro-ministro jamais poderia ter tido outra consequência.
Aliás, se alguma ínfima dúvida restasse, o resultado das eleições de março, com a confirmação de uma viragem à direita e uma expressiva derrota da esquerda, foi mais do que suficiente para a dissipar.
Marcelo só podia ter feito o que fez.
E fê-lo bem feito. Porque previu, com acerto, que o quadro parlamentar saído das urnas poderia dificultar a governabilidade e, designadamente, a aprovação de um novo Orçamento do Estado. O que, face ao então em vigor, era vital.
Só assim se justificou o compasso de espera e o arrastamento de um Governo em gestão e do período de campanha eleitoral muito para além do normal.
E se esse foi o bom e legítimo propósito do Presidente, a verdade é que, até pelas alterações entretanto feitas no OE para 2024 pelo Governo com o beneplácito da Oposição quase em peso, todo esse processo se revelou premonitório e plenamente acertado face aos (des)equilíbrios parlamentares ditados pelas legislativas de março.
Mas, assim sendo, o que não se justifica é que, neste mesmo cenário, venha agora lançar-se a ameaça de que sem a aprovação de um novo Orçamento para 2025 o país estará irremediavelmente lançado numa crise económica e numa crise política só ultrapassáveis com nova ida às urnas.
Marcelo pode ter uma bola de cristal e antever o que mais ninguém vislumbra, mas nada garante que novas eleições venham a ditar uma recomposição do Parlamento que permita um cenário de estabilidade e de governabilidade maior do que a atual.
E até pode dar-se o caso de ainda complicar mais as coisas, tantos os cenários que podem desenhar-se.
Levar o país para eleições para que tudo possa ficar na mesma ou ainda com maior instabilidade e ingovernabilidade não é solução, é aventureirismo.
Na reta final do seu segundo mandato, Marcelo já não está para aventuras e, principalmente, para desventuras.
Por isso, para dizer o que veio dizer, só pode estar convicto de que o Orçamento do Estado para 2025 do Governo de Luís Montenegro vai passar na Assembleia da República, seja com a abstenção do PS de Pedro Nuno Santos ou com o voto favorável do Chega de André Ventura.
São as duas únicas hipóteses possíveis.
O resto, são tiros de pólvora seca só para assustar.
O problema é que, assim atirados para o ar, podem virar foguetório de proporções imprevistas e consequências por todos indesejadas.