Há mães e mães

Em 2024, são as mães que passam mais tempo com os filhos as principais responsáveis pelas tarefas domésticas e que carregam a culpa das falhas. A pressão, cultural e social, está sobre elas. E o insucesso escolar dos filhos também.

Dizem os estudos, as evidências e a literatura internacional que são dois os fatores com mais influência no sucesso escolar e no rendimento salarial na vida adulta. E estão ambos do lado de fora dos portões da escola. São eles as condições socioeconómicas da família e a escolaridade dos pais – sendo determinante a escolaridade das mães.

A pobreza, dizem os dados citados pelo investigador Miguel Herdade (que dá uma entrevista ao Nascer do SOL nesta edição), tem o mesmo efeito na capacidade cognitiva que passar uma noite sem dormir e, em Portugal, 26 mil crianças são de famílias onde falta dinheiro para comprar comida. Ou seja, não é exagero falar de tragédia. Não é insignificante o número de crianças que não têm onde fazer os trabalhos de casa, que comem e dormem em condições degradantes, com falta de cuidados de saúde e que não conseguem ter o material escolar exigido. Na corrida do desempenho escolar, estas crianças carregam uma carga extra.

E agora as mães. Em 2018, 80% das mães dos alunos do básico não tinham licenciatura e seis em cada 10 destes alunos filhos de mães sem graduação superior tiveram negativa a matemática no 9.º ano: mais do dobro de negativas dos alunos com mães com diploma do ensino superior. Uma mãe com formação superior, revelam os estudos, passa mais tempo com os filhos do que uma mãe sem essa formação (mais 4,5 horas semanais). Mas, além de mais tempo, têm mais competências para ajudar os filhos no seu percurso escolar, tarefas, etc. Assim como maior disponibilidade financeira que a formação lhes concede para facilitarem as suas vidas e dedicarem as horas que estariam a engomar, a limpar a casa ou a cozinhar para os filhos.

Durante a pandemia, os alunos de famílias mais desfavorecidas e com baixas qualificações foram os que tiveram as maiores e mais significativas perdas de aprendizagem. Também durante a pandemia, a grande maioria das pessoas que estiveram em teletrabalho tinham qualificações e rendimentos mais altos. Os dados dizem mais: o fecho de escolas prejudicou mais as mães, que passaram em média cinco horas por dia a educar os filhos, contra apenas duas horas dos seus parceiros.

Em 2024, são as mães que passam mais tempo com os filhos, são elas as principais responsáveis pelas tarefas domésticas e são elas que carregam culturalmente a culpa das falhas, de não terem tempo, dinheiro ou capacidade de chegar a todos os cantos da vida familiar. A pressão, cultural e social, está sobre elas. E o insucesso escolar dos filhos também.

Mas há mães e mães. Há as mães como eu, que têm uma rede familiar de suporte, que têm disponibilidade financeira para partilhar tarefas domésticas, tempo para apoiar os filhos na vida escolar, levá-los ao médico, ao futebol ou à natação. E que ainda conseguem ir ao ginásio, ao cinema ou apenas fazer nada. E há as outras, uma maioria assustadora, que lutam todos os dias para que as suas limitações académicas e financeiras não sejam correntes presas aos pés dos seus filhos. É para aqui que se tem de olhar quando se fala em direitos das mulheres e quebrar ciclos de pobreza.