Os primeiros três anos de vida são fundamentais para o desenvolvimento das crianças. O prémio Nobel da Economia, James Heckman, provou que cada euro investido em educação dos 0 aos 3 anos tem um retorno muito mais elevado do que em fases posteriores. Garantem os especialistas que o desenvolvimento cognitivo, emocional e motor, que é aquilo que proporciona a melhoria dos resultados académicos dos alunos, além dos seus vencimentos em ordenados em adulto, as condições de saúde e a diminuição da pobreza, começa e, mais do que isso, é essencial nestes primeiros anos. Mas em Portugal as contas são feitas ao contrário. A rede de creches cobre apenas 50% das necessidades, sendo as famílias com maior rendimento as que têm mais acesso à creche e ao pré-escolar. Esta taxa tem-se mantido inalterada desde 2015, apesar de sucessivos governos terem apontado como prioritário em cada programa uma rede universal de creches.
“A maior taxa de retorno no desenvolvimento da primeira infância advém do investimento o mais cedo possível, desde o nascimento até aos cinco anos de idade, em famílias desfavorecidas. Começar aos três ou quatro anos é demasiado pouco e demasiado tarde, pois não se reconhece que as competências geram competências de uma forma complementar e dinâmica”, escreveu o Nobel em 2012. Ou seja, o fosso que separa ricos e pobres na escola já lá está antes das crianças entrarem no ensino obrigatório. E vai-se aprofundando conforme os anos vão avançando.
Apenas 50% das crianças em creches O relatório da OCDE, “Education at a Glance”, um dos mais completos relatórios estatísticos sobre a educação no mundo, publicado no início do mês, revelou que Portugal não reportou os dados referentes às crianças que frequentam creches. No entanto, em relação ao pré-escolar (entre os 3 e os 5 anos de idade), somos o país da OCDE onde as famílias gastam mais dinheiro. Isto, apesar de teoricamente o ensino pré-escolar ser universal e gratuito.
Mas nem é só pela questão de combate à desigualdade social que o problema das creches é fundamental. O acesso à creche é um dos principais incentivos à natalidade a par da habitação. E Portugal é um dos países mais velhos do mundo. Segundo relatório do Tribunal de Contas sobre este tema referente a 2023, “o Instituto da Segurança Social (ISS) desconhece o número de crianças inscritas em listas de espera, o que prejudica a formulação e avaliação de políticas públicas para a área da infância”.
O número de lugares existentes em creches, 119.616, permitia abranger cerca de 50,4% das 237.470 crianças com menos de três anos em 2022. Em 2023, a gratuitidade foi alargada às creches da rede privada e da rede solidária. Cerca de 73% (438) das creches da rede privada-lucrativa celebraram termos de adesão com o ISS, o que permitiu abranger mais 12.301 crianças pela gratuitidade em 2023. Atualmente existem 100.124 crianças abrangidas pela medida da gratuitidade “Creche Feliz”, destinada a todas crianças nascidas a partir de 01 de setembro de 2021, e 1.998 creches aderentes.
Em setembro de 2024, cerca de 29.000 crianças concluirão o ciclo de frequência em creches, por terem atingido os 3 anos. Destas, 12.070 frequentam o programa ‘Creche Feliz’, devendo transitar para a rede de educação pré-escolar. Para assegurar a universalização da educação pré-escolar aos 3 anos, estarão em falta mais de 19.600 lugares. “É grave e incompreensível a ausência de planeamento por parte do Governo anterior, que não previu a necessidade de criação de milhares de vagas na educação pré-escolar, de modo a acomodar o aumento de procura por parte de crianças às quais já foi garantido o acesso gratuito à creche”, acusa o Ministério da Educação. Para estudar a dimensão do problema foi criado um grupo de trabalho interministerial. A meta é “realizar, até ao final de junho de 2024, um diagnóstico detalhado da rede existente de estabelecimentos de creche e de jardim de infância”. Até lá, é esperar para ver o que se segue. Entretanto, o fosso descrito por Heckmen vai aumentando.