Azevedo Mendes, vice-presidente do Conselho Superior da Magistratura (CSM), propõe que o poder político altere a lei que impõe os 70 anos como limite de idade para o desempenho de altos «cargos de confiança nas magistraturas». Alguns juristas têm defendido que o procurador Amadeu Guerra, atualmente com 69 anos, não poderá, devido a essa lei, fazer o mandato completo de seis anos para o qual foi indicado pelo Governo e nomeado pelo Presidente da República.
«O limite de idade atual pode impedir que o procurador-geral da República conclua o seu mandato, como acontece com o atual presidente do Supremo Tribunal de Justiça [João Cura Mariano] e aconteceu com os dois anteriores» [Henrique Araújo e Joaquim Piçarra], afirmou o juiz, segundo uma nota à comunicação social divulgada pelo CSM. «É necessário reconsiderar estas regras e permitir que os mandatos destes cargos de confiança possam ir além dos 70 anos de idade», explicitou, tendo ainda defendido, segundo a mesma nota, «uma nova abordagem no recrutamento de juízes».
A proposta do juiz foi feita durante um debate promovido pelo Tribunal da Relação de Évora, na passada quarta-feira, em que participaram vários representantes de tribunais superiores, magistraturas e Ordem dos Advogados, com o objetivo de fazer um balanço sobre a última reforma da organização judiciária e discutir os desafios futuros da Justiça.
Amadeu Guerra, cuja tomada de posse como procurador-geral da República está marcada para o próximo dia 12 de outubro, é atualmente procurador-geral-adjunto, o topo da carreira dos magistrados do Ministério Público. Está jubilado (afastado da atividade diária da magistratura, mas com os mesmos direitos e deveres, podendo ser nomeado para funções específicas nos tribunais) desde 2020.
Cunha Rodrigues na mesma linha
Um dos que defenderam também a posição de Azevedo Mendes foi Cunha Rodrigues. Em entrevista à Rádio Renascença, o antigo PGR considerou «excelente» a escolha de Amadeu Guerra para suceder a Lucília Gago, qualificando-o como «competente, com uma grande experiência e grande sentido de Estado». Mas alertou que, na sua opinião, a lei deve ser «alterada ou aclarada», no mínimo, para garantir que, daqui a uns meses (a 9 de janeiro), quando completar 70 anos, Amadeu Guerra possa continuar em funções.
Ao Nascer do SOL, fonte oficial do Ministério da Justiça foi clara. «Não há qualquer limite legal quanto à idade do PGR. Os limites previstos na lei aplicam-se às funções de magistrado stricto sensu (isto é, quando exerçam funções da magistratura, o que não é o caso do PGR (que até poderia não ser um magistrado) ou a funcionários públicos (que o PGR nitidamente não é). Como o PGR não está no exercício de funções de magistrado, nem de funcionário público, esse problema não se põe».
Também há magistrados e outros juristas que vão no mesmo sentido. «Ao contrário, por exemplo, do lugar de vice-PGR (que é nomeado pelo PGR) ou do presidente do STJ (eleito pelos seus pares, juízes-conselheiros), o PGR é um lugar de escolha e nomeação política, não estando sujeito ao limite de idade em vigor para funções públicas», afirma um procurador da República.
Idade pode ser aproveitada para impugnar decisões
O problema que terá de ser bem pesado é que, havendo esta divergência de entendimentos jurídicos, corre-se o risco de que as decisões e orientações de Amadeu Guerra na PGR sejam postas em causa, através de impugnação nos tribunais – onde poderá haver juízes que tenham uma opinião diferente da do Governo.
O regresso do animal feroz
Quando as leis não são claras, existe sempre uma margem de subjetividade (e criatividade) e há quem esteja sempre à espera de as driblar.
José Sócrates, que se tornou num expert em descobrir os buracos da lei, já veio a público revelar os seus incómodos. Hoje, numa declaração enviada aos órgãos de informação, intitulada de Prémio de Carreira, o antigo primeiro-ministro ataca a nomeação do novo PGR considerando-a uma exceção à regra: «Parece que é a primeira vez que se nomeia alguém já reformado e perto de fazer setenta anos. O indigitado terá direito a um prémio de exceção. A ele não se aplicarão os artigos 13º e 193º da lei do Estatuto do Ministério Público. O primeiro diz que o procurador-geral é magistrado; o segundo diz que todos os magistrados cessarão funções no dia em que fizerem setenta anos».
Tudo isto porque José Sócrates considera o futuro PGR o pai legítimo de todos os seus males e do país. Alega que Guerra foi responsável pela sua prisão preventiva e que há um «indisfarçado júbilo» sobre o facto de o novo PGR ter sido «responsável pela Operação Marquês», um caso no qual, segundo um acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, enfrentará acusações de três crimes de corrupção, 13 de branqueamento de capitais e seis de fraude.
«Não me parece que lhe possamos negar essa responsabilidade. Não assinou a acusação, é certo, mas foi responsável», enfatizou Sócrates, mencionando casos como «a transmissão televisiva» da sua detenção no aeroporto de Lisboa ao regressar de Paris em novembro de 2014, quando foi o próprio ex-líder socialista, como provam as escutas, quem chamou a comunicação social. Guerra tem costas largas, sendo até omnipresente, Sócrates distingue-o também como o responsável, na Operação Marquês, «pela invocação do perigo de fuga quando estava a entrar no país, não a sair».
O antigo primeiro-ministro também não perdeu a oportunidade de dar uma bicada no Partido Socialista: «Os socialistas, sempre muito bem-comportados, desejaram boa sorte» a Amadeu Guerra, mostrando, com ironia, o seu desagrado pela posição do partido de que foi líder no passado.
*Com Maria Moreira Rato