Ana Jacinto. “Nas zonas menos turísticas a restauração está com maiores dificuldades”

Menor poder de compra dos portugueses tem ditado esta tendência, mas Ana Jacinto reconhece que mesmo nas zonas mais turísticas o consumo tem registado uma quebra. Este é um dos temas que serão discutidos no congresso da AHRESP.

Como está o setor? O futuro é um dos temas em cima da mesa no congresso que arranca esta sexta-feira. O que se perspetiva?

Um dos temas que queremos aprofundar é o estado da arte do turismo em Portugal, mas posso dizer que o setor tem continuado a crescer e ainda bem, porque continuamos a ser um setor fundamental para a nossa economia e para o país. Os últimos dados, embora provisórios relativamente a agosto mostram uma continuidade de crescimento e os valores acumulados de janeiro a agosto indicam que as dormidas ascenderam a 55,1 milhões. No entanto, estamos a perceber que há algumas assimetrias porque estes dados de crescimento referem-se ao alojamento turístico e não temos tantos dados relativamente à restauração.

A restauração não estará assim tão bem?

Temos empresas que estão a trabalhar muito bem, temos empresas que estão a trabalhar menos bem e outras até muito mal e o que vamos percebendo é que aquelas que estão muito dependentes do mercado interno são precisamente as que estão a trabalhar mal e isso resulta essencialmente da perda do poder de compra dos portugueses.

E quando encerram fecham apenas a porta com vergonha de dizerem que abriram falência…

Por isso, os dados não saltam tanto à vista porque essas empresas mais micro vão fechando portas sem contarem para a estatística e acaba por ser tudo muito silencioso. Mas isso resulta não só da perda de poder de compra dos portugueses, mas também de um acumular de situações. Não podemos esquecer o passado, tivemos a pandemia que afetou muito estas atividades, depois atravessámos uma outra crise económica com a inflação – sobretudo a alimentar –, depois as taxas de juro e ainda estão a pagar os empréstimos covid que não conseguem renegociar com a banca, sem falar dos custos com os combustíveis, que também têm impacto, a energia, os salários, a fiscalidade. As empresas estão a trabalhar para pagar tudo isto no final do dia e muitas delas têm tesourarias muito diminuídas. No dia 11 vamos apresentar um estudo da Nielsen e uma das conclusões é que 80% dos inquiridos apresentam como principal razão para as quebras de consumo o menor poder de compra dos portugueses.

Tem-se falado na crise da restauração e que a ‘bolha rebentou’ em algumas zonas, nomeadamente turísticas, como Alfama…

Não temos dados que confirmem que se verificou uma crise, o que nos temos apercebido é que nas zonas menos turísticas a restauração está com maiores dificuldades. E mesmo nas zonas mais turísticas o que nos têm dito é que alguns turistas têm consumido menos do que habitualmente e houve momentos durante o verão que não estavam assim tão bem. Mas não vamos tornar esses casos como regra, claro que depois há restauração e restauração, há os que trabalham melhor e os que trabalham pior.

O tema dos recursos humanos também vai estar em cima da mesa. Como está o problema da falta de trabalhadores?

Continua a ser uma questão que não está resolvida. Continuamos a ter falta de trabalhadores e a ter dificuldade em reter talento nas empresas. O tema do congresso é muito virado para as pessoas e o lema deste ano é ‘Gestão é ter o coração do lado certo’ porque queremos focar muito esta questão da importância das pessoas que é o nosso maior ativo. Como é que a gestão deve ser feita? Deve ser cada vez mais humanizada, devemos valorizar mais as pessoas, as relações, a empatia porque só assim é que temos equipas mais comprometidas, mais engajadas, mais produtivas e dispostas a enfrentar os desafios que são muitos.

E a questão de atrair e reter já não passa apenas pelo salário…

O dito salário emotivo está cada vez mais em cima da mesa e vimos isso todos os dias. A questão prioritária já não é ‘quanto é que vou receber’, é mais ‘qual é o meu horário? Que condições de trabalho vou ter?’. É evidente que a remuneração é sempre uma componente muito importante porque não vivemos do ar, mas há outras questões que as organizações têm de estar muito atentas, designadamente dar condições adequadas e, sobretudo porque o setor tem horários difíceis, devem tentar criar condições para que os trabalhadores consigam conciliar a sua vida profissional com a sua vida familiar.

Chegou a ser apontado a falta de 40 mil. O número mantém-se?

Não voltámos a fazer nenhum estudo, mas fizemos essa avaliação antes da pandemia que ainda veio agravar mais, portanto deverá andar à volta dos 40 mil.

E em relação à imigração?

Precisamos muito dos imigrantes e é preciso perceber que não só precisamos como são importantes contribuintes líquidos para a Segurança Social. Agora, também é evidente que precisamos de ter estes imigrantes de forma organizada, controlada e legal. Vamos ver quais serão os frutos do plano que o Governo aprovou, ainda é muito cedo para tirar conclusões. Estamos obviamente expectantes e já dissemos ao Governo que estamos disponíveis para colaborar. Tudo isto, obviamente, é complexo e carece de intervenção de vários players. O Governo aprovou uma medida de formação que é absolutamente crucial. Não podemos ter os imigrantes a trabalhar nos nossos espaços sem saberem, por exemplo, a língua portuguesa, pelo menos no front office. É um caminho que tem de se fazer, mas agora ainda estão concentrados em regularizar os 400 mil que estavam por regularizar.

A carga fiscal é outro tema que estará em cima da mesa…

Há uma questão que não compreendemos nem vamos compreender, que é o IVA das bebidas alcoólicas e dos refrigerantes ainda estar na taxa máxima. Não percebemos esta teimosia. É muito difícil explicar aos empresários porque é que, por exemplo, os vinhos no retalho podem ser adquiridos à taxa intermédia e nos serviços de restauração e bebidas tem de ser à taxa máxima. Os argumentos que foram dados no ano passado no último Orçamento de Estado para que a extensão não abrangesse estas duas rubricas era a questão da saúde. Não pode ser aceitável porque a saúde é verdade nos estabelecimentos de restauração e bebidas como é no retalho. Depois também temos insistido muito na questão da carga fiscal que incide sobre os rendimentos do trabalho. Não nos temos vindo a opor aos aumentos sucessivos do salário mínimo, até temos dito que também deve subir o salário médio, agora para pormos as empresas a fazer esse esforço precisamos também que o Estado faça a parte dele.

A assinatura do acordo para o salário mínimo prevê contrapartidas para subir o salário médio…

Mas são contrapartidas diminutas face ao esforço que as empresas estão a fazer. Se o Estado não diminuir a carga fiscal, o rendimento líquido que vai para o trabalhador também não é significativo. Todos precisamos de fazer um esforço e o que está a acontecer é que da parte do Estado não está a haver esse esforço.

Como vê a polémica dos restaurantes terem de declarar gorjetas ao fisco e indicá-las nos recibos de vencimento?

O que dizemos é que não devemos ‘impor’ as gorjetas. Não é uma boa prática sugerir, mas se o estabelecimento a quiser cobrar de forma não voluntária tem obrigatoriamente que dar essa informação ao consumidor, designadamente através do preçário. A gratificação, vulgarmente conhecida como ‘gorjeta’, é uma prática comum, muito tradicional no setor da restauração, que consiste numa quantia em dinheiro que é entregue pelo cliente ao funcionário que o atendeu e que tem como objetivo agradecer recompensá-lo pelo serviço prestado. Essa gratificação não é obrigatória, cabendo ao cliente decidir se e quanto entrega, não consistindo boa prática a sugestão de gorjeta através da inclusão da mesma no talão de caixa ou na lista de preços.

Outro tema em cima da mesa diz respeito às taxas turísticas…

A AHRESP tem-se manifestado sempre contra, agora as taxas turísticas já estão implementadas em quase 40 autarquias e o que temos dito é que, se as autarquias entendem que devem aplicar, temos de salvaguardar duas coisas. A primeira é que deve ser sempre criada uma comissão de gestão que acompanhe a implementação da taxa e a gestão das receitas para que as atividades económicas possam saber onde é que a taxa está a ser aplicada e possam influenciar. E influenciar porquê? Entendemos que ao ser cobrada uma taxa turística esta deve reverter, em grande parte, para as comunidades locais, naquilo que são os benefícios para os residentes para melhorar a higiene urbana, para melhorar a segurança, para melhorar a iluminação da cidade, para melhorar a mobilidade da cidade porque o turismo tem de ser cada vez mais regenerativo. A outra questão que nos preocupa é que os municípios fazem regulamentos completamente díspares quando devia haver uma regulação única. Cada um inventa as coisas que bem entende e, por isso, há valores diferentes, isenções diferentes, condições diferentes. Também entendemos que há outras formas de obter estas receitas, não era preciso a taxa turística porque já existe o chamado IVA turístico que as câmaras já recebem, embora seja um valor mais reduzido porque é cerca de 7,5%, mas poder-se-ia equacionar aumentar esta percentagem.