Depois do lavar dos cestos

O Douro está a viver uma crise económica de grande dimensão, com um trágico impacto social.

Acabaram as vindimas e lavaram-se os cestos. Não faltou uva em abundância mas, para muitos vinicultores, foi impossível encontrar quem a comprasse. Alguns desistiram de as colher.

O Douro está a viver uma crise económica de grande dimensão, com um trágico impacto social. É uma crise anunciada porque, ano após ano, a região tem produzido mais vinho do que aquele que consegue escoar. Em 25 anos, o valor das vendas de vinho do Porto caiu para metade, acompanhando a tendência de todos os outros vinhos generosos. É uma tendência irreversível: as gerações mais jovens evitam os açúcares e as bebidas com alto teor de álcool. Subsiste, pois, um excesso de vinho armazenado, ao longo dos últimos anos, pelos produtores de vinho do Porto.

Durante anos, a queda nas vendas de vinho do Porto foi compensada pela aposta na qualidade e no envelhecimento e mitigada pela produção de vinho de mesa, que, até 1990, era muito pouco relevante na região. A diversificação teve sucesso: em 20 anos, as vendas de vinho tranquilo do Douro mais do que duplicaram, representando hoje mais de um terço da produção.

Infelizmente, para os vitivinicultores, este paliativo não lhes resolve a vida. Até porque também os Douros de mesa não conseguem resistir à retração do consumo mundial de vinhos. Acresce que o benefício, que determina a quantidade destinada a vinho do Porto e que garante uma receita ajustada ao custo de produção, foi reduzido de 116.000 para 90.000 pipas em dois anos.

Segundo a Organização Internacional da Vinha e do Vinho, há 10 anos consecutivos que a produção mundial excede a procura de vinho. A maior queda desta bebida tem ocorrido na China, onde os atuais níveis de consumos são cerca de 35% do que eram em 2017. A tendência de retração já teve impacto na produção mundial que, em 2023, caiu 10%, continuando ainda assim a ser excessiva, principalmente quando os stocks estão a abarrotar.

Grandes produtores, como França e Austrália, têm vindo a subsidiar o arranque da vinha, uma medida drástica tendente a reequilibrar o mercado. Em Portugal, faltam incentivos para essa medida radical. Os produtores vêm clamando que se incremente a destilação de aguardente vínica para a produção de vinho do Porto, mas também essa é uma solução paliativa. Se há tanto stock do nosso vinho generoso e uma queda nas vendas, não adianta incrementar a produção de um dos seus componentes.

Não há poção mágica que resolva o problema. Mas, tal como em outros setores, é possível melhorar a indústria do vinho, otimizando o processo produtivo e reduzindo os custos, diversificando a oferta e captando novos segmentos (como o inovador Porto Tónico), promovendo as vendas diretas ao consumidor, reduzindo as margens da intermediação, distribuição e restauração, aumentando a visibilidade das marcas, reduzindo a sua dispersão excessiva e apostando na fidelização dos clientes, recorrendo ao enoturismo.

Aliás, a região do Douro revela uma grande capacidade para atrair fluxos turísticos. Tem paisagem e património, tem uma narrativa e uma história que combinam com o vinho.

Entretanto, o Governo deve agir com prontidão, fiscalizando e controlando a origem das uvas, de forma a evitar a invasão de vinho a granel que chega de Espanha, sobretudo.

Nós, que gostamos do Douro e da sua paisagem talhada pelo homem, também temos uma palavra a dizer. Espero que quem me lê, e porventura partilha a minha angústia, não se esqueça de, logo à noite, beber um cálice de Porto.