Orçamento. Socialistas confiam em César

Socialistas favoráveis à abstenção confiam na voz autorizada de Carlos César para evitar o voto contra dos socialistas. Ventura joga na confusão sobre a posição do Chega para fragilizar Pedro Nuno Santos. Deputados do PSD/Madeira ainda podem dar dores de cabeça

Esta novela mexicana não se pode repetir para o ano». A frase é de um deputado social-democrata e foi proferida esta quinta-feira na reunião do grupo parlamentar do PSD, numa altura em que o processo de elaboração e entrega do Orçamento estava concluído, faltando apenas ser entregue a Aguiar Branco, facto que ocorreria minutos mais tarde. 

O desabafo do deputado refletia a tensão que se viveu nos últimos meses e semanas com o atribulado processo de negociação com o PS. Apesar de todos os deputados da bancada laranja fazerem um balanço positivo do processo conduzido por Luís Montenegro, na reunião desta quinta-feira pensava-se já nos passos seguintes e até nos próximos processos orçamentais, caso as contas para 2024 sejam aprovadas, cenário que foi assumido como muito provável.

A certeza de uma aprovação na votação na generalidade, que ocorre no dia 29 de outubro, foi de tal forma dada por garantida que Hugo Soares aproveitou a ocasião para dar instruções aos deputados para o debate na especialidade. O líder parlamentar pediu para que antes de apresentarem propostas de alteração, os deputados avaliarem se essas propostas têm reais possibilidades de serem aprovadas. 

 Ao que o Nascer do SOL sabe, as recomendações de Hugo Soares foram ouvidas e registadas, mas o líder parlamentar não está livre de ser surpreendido por algumas propostas de alteração vindas da sua bancada. O debate orçamental é, historicamente, um processo agitado na bancada laranja, muito por iniciativa dos deputados eleitos pela Madeira e desta vez pode não ser diferente. Os três deputados eleitos pela região autónoma têm como primeira prioridade agradar ao eleitorado da Madeira, mesmo que isso implique irem em sentido contrário às decisões do partido nacional – o histórico de decisões regista vários momentos em que os deputados do PSD/Madeira votaram ao lado da oposição, contra a orientação da sua bancada. Poucas horas depois da apresentação do documento na Assembleia da República não há ainda uma visão clara sobre eventuais desencontros com os interesses da Madeira, mas um deputado eleito pela região garantiu esta quinta-feira ao nosso jornal que, caso haja necessidade, os eleitos pela Madeira não hesitarão em apresentar as suas propostas e o mesmo deputado salienta que «a nossa representação de três deputados, faz a diferença, porque é exatamente esse o número de deputados que dá a maioria à AD no Parlamento».

Carlos César pode «pôr ordem na casa»

A novela orçamental tem dominado todas conversas no interior do Partido Socialista e, apesar dos muitos meses que esta conversa já dura, continua a haver posições muito divididas sobre o que o PSdeve fazer na hora da votação. 

Nas reuniões desta semana, primeiro com os presidentes das federações, depois com os deputados, Pedro Nuno Santos verificou a divergência de opiniões, nalguns casos ouvindo mesmo palavras duras por parte daqueles que se opõem a um chumbo orçamental. Uma das vozes mais contundentes disse estar «farto de convicções» e acusou o líder de ter «uma estratégia sem pés nem cabeça». Apesar de o tom não ter sido sempre tão agressivo, muitas outras vozes críticas se fizeram ouvir numa reunião que se prolongou por várias horas. As ex-ministras Mariana Vieira da Silva e Ana Abrunhosa, contaram-se entre os que defenderam a abstenção do PS e, em particular destaque na defesa da viabilização do OE, estiveram também Hugo Costa, Pedro Coimbra e David Amado, respetivamente os residentes das federações de Santarém, Coimbra e Lisboa.

Contas feitas a bancada está dividida ao meio entre os que defendem o voto contra e os que defendem a abstenção.

Segundo um dos deputados presentes , Carlos César, presidente do partido, evitou pronunciar-se, tendo-se limitado a fazer um resumo no final do encontro, mas a nossa fonte garante que César defende a viabilização e «no final do dia vai pôr ordem na casa». Os defensores da abstenção confiam que a opinião de César tenha um peso determinante junto do secretário-geral do partido.

Só quatro deputados defenderam voto

Decisão «irrevogável» ou «tudo faremos para evitar uma crise política», André Ventura e o Chega são a grande incógnita no xadrez pré-orçamental. 

Ventura sabe que este é um momento crucial para afirmar o seu peso político e tem apostado na imprevisibilidade para condicionar os outros dois protagonistas deste jogo: Luís Montenegro e Pedro Nuno Santos. 

Foi nesse contexto que Ventura ‘soprou’ a alguma comunicação social – minutos antes de reunir a sua bancada com o orçamento como único tema em cima da mesa –, que o Chega iria aprovar o orçamento sem negociação. Apesar de minutos depois se ter recusado a comentar a notícia que tinha posto a circular, a verdade é que a notícia não confirmada tinha um objetivo: agitar os ânimos entre os socialistas que também nesse dia se reuniam para discutir o que fazer na votação. 

No final da reunião com os deputados, Ventura manteve o enigma e disse ter estado a ouvir a opinião dos seus deputados e remeteu para mais tarde decisões sobre o orçamento. Nessa tarde, nem por uma vez se ouviu a palavra «irrevogável» que tem marcado presença no discurso do líder do Chega. O objetivo foi cumprido, no Largo do Rato voltou a estar em cima da mesa o cenário preferido de Pedro Nuno Santos: livrar-se da responsabilidade da aprovação das contas para 2024 e passar a bola para o Chega. 

Mas a reunião de Ventura com os seus deputados serviu, de facto, para ouvir opiniões e deixar no ar as suas reais intenções quando chegar a hora da verdade, ou seja, o dia 29 de outubro, dia da votação na generalidade. 

Ao que o Nascer do SOL apurou, o líder terá tranquilizado a maioria dos 50 deputados, garantindo que em caso de necessidade o Chega salvará a aprovação do orçamento, mas o suspense, esse, André Ventura pretende mantê-lo até ao último minuto. 

A maioria das opiniões ouvidas na sala foram ao encontro da vontade do líder e, ao que nos disseram, apenas quatro deputados defenderam que o Chega deveria votar contra o orçamento em qualquer circunstância. 

Apesar de o partido manter total unanimidade em torno do líder e da estratégia que dia-a-dia vai definindo, nos últimos tempos viveu-se algum nervosismo entre deputados e militantes do Chega com a hipótese de uma crise política e de uma nova ida às urnas. 

Desde as eleições europeias que as sondagens apontam para um decréscimo das intenções de voto no partido e o risco de uma ida às urnas em que o Chega possa ser percecionado como responsável pela crise, faz os deputados temerem que o pior cenário se possa concretizar e que o partido possa ter um rombo na bancada. 

Esta é também uma preocupação de André Ventura que tem consciência de que não pode brincar com o fogo, muito menos numa altura em que Luís Montenegro ainda está em estado de graça. A opção é, portanto, deixar o jogo correr, e causar dúvidas sobre o que irá fazer até ao último minuto.

Consciente de que o primeiro-ministro é o que tem menos a perder com uma ida prematura às urnas, André Ventura aposta sobretudo em baralhar os socialistas. O líder do Chega sabe que quanto mais isso acontecer, mais fragilizado fica o secretário-geral socialista e a fragilidade de Pedro Nuno Santos é uma boa notícia para André Ventura que consegue assim ganhar protagonismo e agitar a bandeira de que é o líder da oposição. E se no fim de tudo tiver que dar o dito por não dito e aprovar o orçamento, pode cavalgar o discurso de que é o adulto na sala que se sacrifica em nome dos portugueses.