Não, o nevoeiro não esconde a vergonha

O absoluto amadorismo da Liga de Clubes voltou a fazer o campeonato cair no ridículo.

Estamos para saber se o enésimo interrompimento de um jogo na Choupana por causa do nevoeiro é mais ou menos ridículo do que remarcá-lo para a mesma hora do dia 19 de Dezembro. E digo à mesma hora porque, com a entrada do horário de Inverno, as 17h00 para as quais foi agendado correspondem precisamente às 18h00 em que não foi jogado no passado domingo, o que volta a levantar a questão de podermos ter o estádio do Nacional de novo envolto numa bruma digna de uma dúzia de Sebastiões.
Esta palhaçada, que não tem outro nome, repete-se ano após ano, tendo chegado ao cúmulo de já termos visto, durante a última década, qualquer coisa como 19 jogos interrompidos ou nem sequer iniciados e sempre pelo mesmo motivo. A teimosia da Liga de Clubes em insistir no erro até à náusea demonstra como o rei vai nu e naquela casa as coisas funcionam sem rei nem roque, ao sabor da incompetência de quem lá mora. Não é preciso ser nenhum Anthímio de Azevedo, saudosa e inconfundível figura, para se prever que naquele lugar da ilha, a 600 metros de altura em relação ao nível do mar, a névoa tomba inevitável e insaciável ao fim da tarde impedindo que de uma baliza se veja a outra quando colocados no centro do terrenos, medição básica para que o futebol não possa ser jogado. Perguntará o leitor, com toda a razão, porque não são os jogos da Choupana marcados para horas em que o risco do nevoeiro seja, pelo menos, não tão provável? A resposta assentará sobretudo nos interesses económicos da estação televisiva que os transmite. E como todos os jogos da I Liga são transmitidos em directo, é preciso dar tratos de polé aos clubes e encaixá-los nas datas e horários que mais convenham a quem quer e pode, sendo neste caso a Liga um mero instrumento de quem a alimenta financeiramente.

Os prejuízos a quem os provoca!


Calhou, desta vez, a fava ao Benfica, o que terá tirado um tudo nada de gás na euforia que vai rodeando a nova equipa de Bruno Lage. Com o calendário entupido, a sétima jornada de um campeonato que baila ao ritmo do Sporting de Rúben Amorim, vencedor de todos os jogos até ao momento e cada vez mais favorito ao bi-campeonato, talvez mesmo invicto, atirou-se esta estucha de voltar à Madeira para os cafundós de Dezembro e até lá que se divirta a confraria e viva lá o seu compadre que é a filosofia de vida deste nosso futebolzinho português que vai caindo a pique nas vascas da agonia. E, sobretudo no desrespeito total por jogadores, treinadores e adeptos que não deviam ser sujeitos a trampolinices bacocas e mazombas deste calibre.
Num futebol sem dinheiro, com os grandes clubes endividados até às cuecas e os pequenos a roçar a indigência, brinca-se com o dinheiro. Se cabe ao Benfica, como coube a outros nos últimos anos, voltar a pagar a deslocação e a estadia no Funchal – e ainda estamos para ver se não volta a repetir-se a cena de circo -, quem se responsabiliza pelos prejuízos? Não tenho dúvidas na resposta. Teria de ser a Liga de Clubes e o seu presidente, o sempre tão emproado Proença, a responsabilizar-se pelos danos que a sua barbeiragem provocou ao desprezar todas as regras do mero bom-senso. O próprio Benfica – que se viu obrigado a jogar oito minutos impraticáveis por uma teimosia idiota do árbitro Gustavo Correia, que nunca devia ter sequer começado o jogo perante as absolutas evidências (veremos se os oito minutos a menos no reatar do encontro não terão influência no resultado) – deveria ser o primeiro a exigir que a tal instituição que (des)governa o campeonato nacional ressarcisse o clube. Mais ainda. Todos os adeptos, muitos com natural esforço, que despenderam o seu dinheiro na viagem ao Funchal e na mais que provável permanência na ilha, também deveriam avançar com processos contra a Liga de Clubes procurando recuperar as verbas que viram voar pela janela. A notícia simplória vinda a lume de que todos os que compraram bilhetes podem contar com eles para o que falta jogar na Choupana não é mais do que um direito adquirido, mesmo que tenham pago para ver uma hora e meia de espectáculo e acabem por ver tão somente oitenta e dois minutos porque os outros já se dissiparam por entre as nuvens tão baixas que roçavam o relvado.


Enquanto este tipo de desatino continuar a repetir-se, e repete-se todos os anos, pelos vistos, e os responsáveis por eles não forem levados à pedra, ei-los que continuam a ser levianamente desconsiderados. Na Liga, já se percebeu, assobia-se para o lado. O presidente do organismo vive, nos dias que correm, mais preocupado em pôr em marcha a sua candidatura à Federação Portuguesa de Futebol do que em resolver os berbicachos que rebentam como cogumelos na sua própria casa. Já não basta assistirmos, ano após ano, à degradação competitiva do campeonato, ainda por cima falseado em termos desportivos por situações como estas que fazem com que, para já, o Sporting marche alegremente com oito ponto de avanço sobre o Benfica e o FC Porto tenha ganho uma folga de três pontos face aos encarnados, sabendo que irá jogar à Luz com a provável e confortável margem de cinco. Se isto é a verdade do futebol português, como diz o povo, vou ali e já venho. Quanto aos culpados, estão aí expostos à sua insuportável vaidade.