Bookstagram e BookTok. Agora, os livros são reis nas redes sociais

Entre autores e amantes de literatura, as redes sociais são valorizadas como motor de promoção dos livros e da mudança. Falámos com Maria Francisca Gama, Sara e Filipe Heath para compreender melhor o que está em causa.

O mundo do conteúdo literário nas redes sociais, particularmente no Bookstagram e no BookTok (contas dedicadas à literatura, respetivamente, no Instagram e no TikTok), tem vindo a crescer em Portugal, especialmente nos últimos anos. A pandemia, que confinou milhões de pessoas às suas casas, levou muitos a redescobrir o prazer da leitura e foi esse o ponto de partida para a criação de várias contas dedicadas ao universo dos livros.

Maria Francisca Gama, autora do fenómeno literário A Cicatriz, @mariafranciscagama no Instagram, é um exemplo de como as redes sociais ajudam tanto os autores como os amantes de livros. O sucesso da jovem autora também está fortemente ligado ao papel que as redes sociais desempenharam na disseminação da obra. Plataformas como TikTok e Instagram ajudaram a popularizar o livro e a torná-lo um dos mais falados entre leitores de todas as idades.

Maria Francisca reconhece ao i que as redes sociais foram fundamentais para que o livro chegasse a um público tão vasto e diverso, revelando que todos os dias é marcada em dezenas de publicações nas diversas plataformas.

Apesar do entusiasmo pelo alcance digital, a autora sabe que a fama nas redes sociais também traz críticas. Algumas delas são difíceis de lidar, especialmente quando ocorrem em espaços públicos onde o objetivo parece ser ter visibilidade e não dialogar diretamente com a autora. Contudo, a jovem mantém uma visão positiva, reconhecendo que “nem todos podem gostar” e que isso faz parte do processo criativo.

Já Sara, conhecida no Instagram como @book.vorfreude, é criadora de conteúdos literários e partilhou o seu percurso, os desafios de manter uma página ativa e o impacto que tem sentido na comunidade com o i. Para esta influenciadora, a pandemia foi o catalisador para a sua entrada no Bookstagram. “Encontrei-me fechada em casa, a ter aulas da licenciatura à distância e olhar para um ecrã o dia todo cansava-me imenso. Acabei por redescobrir a minha paixão pelos livros, que foram também a minha grande companhia em todas as quarentenas que vivemos nos últimos anos”, conta. O desejo de partilhar as suas leituras e de discutir livros com outros apaixonados levou-a a criar a sua página. “Queria ter com quem falar desses livros porque, apesar de aqui em casa se ler muito, não é a mesma coisa ir discutir um livro com os meus pais […] ou poder ir falar dele para o mundo”.

A gestão do tempo tornou-se um desafio crescente, especialmente ao conciliar o mestrado e o trabalho a tempo inteiro. “Tem sido mais complicado manter-me muito ativa hoje em dia”, confessa. Ainda assim, acredita que a genuinidade é crucial para manter uma comunidade de seguidores fiéis. “Acho que as pessoas sabem distinguir aquilo que são interações genuínas daquilo que está a ser dito/publicado só para criar conteúdo”, refere, destacando a importância de responder a tudo o que consegue e de interagir com as contas que segue.

Quando se trata de recomendar livros, a influenciadora revela que o processo é mais orgânico do que pode parecer. “A maior parte do tempo eu falo dos livros que li e aí é mais uma questão de como é que escolho as minhas leituras […] muitas vezes é ao contrário, alguém me recomendou a mim o livro”. As suas recomendações são feitas a partir da experiência de leitura e as listas que publica resultam de uma curadoria pensada para partilhar com os seguidores.

Entre os maiores desafios que enfrenta enquanto criadora de conteúdos está o tempo limitado para produzir as publicações com a qualidade que pretende. “Eu gosto de criar publicações que sejam uma opinião de um dado livro (ou livros) ou uma lista de recomendações – e isso requer tempo”, admite, explicando que gosta de tirar fotografias, escrever opiniões e criar listas cuidadas. “Ideias felizmente acho que não me faltam, mas o tempo, como bem sabemos, é limitado, e o maior desafio tem sido esse”.

O equilíbrio entre diferentes estilos de publicação é uma das marcas da sua conta, que reflete tanto listas temáticas como opiniões literárias mais detalhadas. “Tenho tentado equilibrar a minha precisamente entre as listas e as opiniões literárias”, assume. Nas opiniões, normalmente inclui uma fotografia do livro, dados como os géneros literários e a sua avaliação pessoal.

Além do conteúdo digital, lançou, em 2022, um projeto que tem tido um impacto significativo na comunidade literária: ‘A Biblioteca da Sara’. Este projeto permite que os seus seguidores requisitem livros do seu catálogo pessoal, promovendo o empréstimo gratuito de obras. “As pessoas pedem os livros emprestados, lêem e devolvem. Tem sido incrível, vamos já em mais de 200 livros emprestados nos últimos anos”, partilha, emocionada com a adesão ao projeto e com as várias doações que tem recebido para aumentar o catálogo. 

A luta pela diversidade no mercado literário

Filipe Heath, @filipeheath no Instagram, frisa a importância da literatura como base da mudança. Segundo o influenciador, as redes sociais oferecem um espaço inclusivo, onde histórias que dificilmente ganham destaque nos meios de comunicação tradicionais podem encontrar eco. “O mercado tende a ser mais conservador e os criadores de conteúdo conseguem divulgar livros de editoras que priorizam a diversidade”, explica, acrescentando que o aumento da visibilidade de romances queer e histórias com protagonistas racializados é um bom sinal, ainda que “estejamos longe do desejado”. Acredita que quanto maior é a procura por estes livros, maior será a oferta e as plataformas digitais são fundamentais para promover esta mudança.

Vê a autenticidade como um dos pilares da sua presença nas redes sociais, nomeadamente no Instagram, onde está mais ativo. “Partilho experiências pessoais de forma autêntica e transparente. Ser honesto quebra uma barreira de superficialidade existente nas redes sociais”, diz, referindo-se à importância de usar a sua plataforma para transmitir mensagens que vão além da estética das fotografias. “Procuro uma conexão profunda baseada na empatia”, sublinha, notando que os seus posts de discussão sobre os problemas do mercado literário são os que geram maior reflexão entre os seus seguidores.

No entanto, o TikTok, apesar de ser uma plataforma em ascensão para discussões literárias, não é o seu foco principal. O influenciador admite que nunca se sentiu muito ativo nessa rede, embora reconheça o seu potencial: “Julgo que a minha mensagem é ouvida com maior clareza no Instagram, justamente pela questão do tempo”.

Para este criador de conteúdos, a responsabilidade de divulgar informações corretas é fundamental, sobretudo quando aborda questões sociais e literárias sensíveis. “Tento educar-me o máximo possível em questões que acho pertinentes e confirmar sempre os factos antes de fazer alguma afirmação”, afirma, acrescentando que não quer induzir os seus seguidores em erro. Contudo, acredita que este sentido de responsabilidade não deve retirar o prazer da criação de conteúdo. “Como as minhas leituras se interligam com o meu ativismo, sinto-me grato por ter uma plataforma onde possa dar uma maior visibilidade a questões como a falta de representatividade no mercado literário”, explica.

O projeto que mais o marcou foi o de divulgação de livrarias independentes, iniciado em 2022. Com este projeto, tem visitado livrarias em todo o país, partilhando a sua experiência e destacando a importância destes espaços para a cultura literária. “Tem sido o mais marcante pelo impacto real que tem tido na vida de livreiros, que sofreram com a pandemia e com as grandes cadeias”, partilha. Considera este contacto direto com os livreiros e a possibilidade de dar visibilidade ao seu trabalho uma “honra”, especialmente por poder conversar com pessoas que amam livros tanto quanto ele.

Questionado sobre o termo “estar à frente” no que toca à promoção de diversidade, rejeita a ideia de competição. “Diversidade é a vida real que nos rodeia, basta querer transpor para o papel”, afirma, destacando autores que admira, como Djaimilia Pereira de Almeida, Paulo Pascoal, Audre Lorde, Angela Davis e James Baldwin. Muitos destes escritores, embora já não estejam vivos, só agora estão a ganhar espaço no mercado português, mostrando que a luta pela diversidade no mundo literário é constante e continua a precisar de apoio e visibilidade.