Leopoldo II, Rei dos Belgas (1835-1909), era alto, magro e tinha um nariz fino e comprido, que Disraeli descreveu como «o do jovem príncipe do conto de fadas, amaldiçoado pela fada maligna». Mais comprida ainda era a barba, que ficava pouco aquém do imponente. Como regista Adam Hochschild em O Fantasma do Rei Leopoldo (ed. Caminho), a sua prima Vitória de Inglaterra achava-o «muito excêntrico». Mas a característica mais decisiva de Leopoldo era a sua sede de colónias. Achava a Bélgica um país demasiado pequeno para as suas ambições e almejava ter um império só seu. Equacionou várias hipóteses: o Nilo, a Abissínia, as Fiji, as Filipinas…
Sempre à espreita de uma oportunidade, realizou em Bruxelas, em setembro de 1876, uma Conferência Geográfica onde acolheu, com toda a pompa e circunstância, geógrafos, militares e exploradores famosos. Só lá faltava Henry Morton Stanley, o galês que em agosto de 1877 completaria a sua travessia de África, de Zanzibar (na costa oriental), a Boma (na costa ocidental).
Stanley era um explorador incansável, determinado e implacável, capaz de suportar as maiores provações. As suas façanhas – como ter descoberto, em finais de 1871, o paradeiro de David Livingstone, o missionário que se encontrava desaparecido há cinco anos – valeram-lhe o estatuto de herói planetário.
Financiando as expedições de Stanley e continuando a pagar-lhe generosos estipêndios nos períodos em que este ficava ‘em pousio’, Leopoldo conseguiu que o explorador representasse os seus interesses em África – ou seja, que negociasse tratados e reclamasse para ele vastos territórios na bacia do Congo. Ao todo, o Rei conseguiria que ficassem sob a sua alçada pessoal mais de 2,5 milhões de quilómetros quadrados. Nada mais, nada menos, do que 85 vezes a dimensão da Bélgica.
No seu livro, a que regressei recentemente, Hochschild relata as atrocidades cometidas naquele que Leopoldo baptizou de ‘Estado Livre do Congo’. Na realidade, livres é que os seus habitantes não eram. Desde a descoberta da utilidade da borracha (usada para os fabricar os pneus dos carros), os homens das aldeias congolesas eram obrigados a preencher quotas exigentíssimas. Enquanto não entregassem a quantidade estipulada, as suas famílias ficavam reféns dos soldados da Force Publique ou das companhias concessionárias. A brutalidade era rotineira; as riquezas, naturalmente, fluíam para os cofres de Leopoldo.
Mão amiga fez-me chegar por estes dias as críticas de um historiador conservador americano, Bruce Gilley, ao livro de Hochschild. Parodiando o título original (King Leopold’s Ghost),o artigo chama-se ‘King Leopold’s Hoax’, qualquer coisa como ‘AFraude do Rei Leopoldo’. Gilley contesta os números apresentados por Hochschild, segundo o qual «durante o período de Leopoldo e no que imediatamente se lhe seguiu, a população daquele território perdeu, aproximadamente, dez milhões de pessoas». Além disso, acusa o autor de desonestidade e dá a entender que Leopoldo II não foi um monarca tão perverso quanto isso.
O tom acintoso de Gilley não me agradou e os seus argumentos não me deixaram convencido. Admito que haja exageros, imprecisões e parcialidade em Hochschild. Mas o seu argumento principal mantém-se sólido. E os testemunhos da época são irrefutáveis. Haverá melhor prova disso do que as tentativas do Rei dos Belgas para os silenciar?