Orçamentira

Na forma infantil como a política portuguesa parece ser conduzida, o Orçamento é apenas mais um argumento nas brigas de tática eleitoralista.

Mandam as regras da gestão e bom senso que Orçamento e programa de atividades subjacente, seja ele qual for, devem ter por base uma visão e ideia estratégica. No caso do nosso país faz décadas que nenhum de nós, que por cá vive ou trabalha, faz ideia do que país quer ser (quando for grande). A melhor forma de não se ir a lado nenhum é precisamente não fazer a mais pequena ideia da direção a tomar e destino a atingir.


A ausência de pensamento estratégico, ambição para a economia, qualidade de funcionamento do Estado e capacidade de concretização, caracterizam, na minha opinião, a classe política dominante nas últimas décadas. É nesse contexto e à luz de táticas eleitorais egocêntricas, que me parecem ter contaminado a postura dos líderes dos três principais partidos políticos, que entendo na forma e conteúdo as quezílias, debates e afirmações proferidas, por uns e por outros, relativamente ao Orçamento.

«O governo está focado em governar»; «Traição à direita»; «A direita não é confiável», constituem pequenos exemplos do baixíssimo nível a que chegou a postura dos principais responsáveis por conduzir, politicamente, os destinos da nação. Essa postura revela a qualidade e a dimensão do pensamento que determina a governação. Não temos estado bem nas últimas décadas, não há sinais de melhoria e a tendência parece-me agravar a lástima que invadiu partidos e sistema político.


A propósito de argumentação, a única coerência a que assisti no que respeita às declarações de líderes partidários, partiu de Inês Sousa Real do PAN, que apesar de revelar bem a visão monocórdica e limitada que tem da política e do país, justificou objetivamente o voto contra o Orçamento. Apesar da limitação do pensamento, entende-se e respeita-se a coerência quando afirma que «vota contra o orçamento porque as verbas para a proteção animal diminuíram».


Os outros não debatem o país, a estratégia, os objetivos e a posição que queremos para Portugal a 10, 20 e 50 anos. Estão apenas interessados na notícia e no caso do dia, na sondagem e na possibilidade de angariarem mais ou menos votos e mais ou menos lugares no parlamento, num cenário de eventuais eleições.


As reformas da Justiça, do funcionamento do Estado, da educação, as questões da habitação, as infraestruturas energéticas, a inovação tecnológica na prevenção, deteção e combate a incêndios, o desenvolvimento da produtividade e produção, a recolha e tratamento de resíduos e o civismo, são certamente matérias demasiado complexas ou demasiado secundárias para se debaterem aquando da programação e orçamentação. Sobre estes temas, essenciais ao desenvolvimento da nossa sociedade, nada ou quase nada. As contas que lhes interessam são as contas eleitorais…


Na forma infantil como a política portuguesa parece ser conduzida, o Orçamento é apenas mais um argumento nas brigas de tática eleitoralista. Eles mostram, todos, falta de respeito pelo país e impreparação para governar.


E porque, segundo parece, vivemos em democracia (não me parece assim tão obvio), o aborrecido é que não se afigura forma de mudarmos este fado…

CEO do Taguspark, Professor universitário