Nuno Palma: “Trabalhar com um Nobel é mais natural do que possa parecer”

Professor na Universidade de Manchester e Investigador no ICS-UL. Nuno Palma falou com o Nascer do SOL sobre o mais recente Prémio Nobel da Economia, o estado da academia portuguesa e sobre a sensação de ser coautor de um Nobel.

O Prémio Nobel da Economia foi entregue a Daron Acemoglu, Simon Johnson, e James Robinson pelos «estudos sobre a forma como as instituições são formadas e afetam a prosperidade». Que partes do trabalho que podem ser menos visíveis ao público geral são as que mais contribuem para a análise da diferença de riqueza e prosperidade entre os países?

As pessoas quando conhecem o trabalho destes investigadores, o que conhecem em geral é o livro de divulgação que eles escreveram. O Por que Falham as Nações, na tradução portuguesa, Why Nations Fail, e o segundo livro que têm também para divulgação, que é o Narrow Corridor. A ideia que passa dessa investigação é a importância das instituições políticas para o bom funcionamento da economia. Instituições políticas que funcionem bem em termos de proteção dos direitos dos cidadãos, transparência na governança, accountability, portanto, checks and balances, os freios e contrapesos, como se diz em português.

Assim, ter instituições políticas a funcionar bem leva a bons resultados económicos. Digamos que essa é a grande ideia, uma ideia que, aliás, na sua origem não era deles, já vinha de trás. Já tinha havido até um prémio Nobel dado precisamente a essas ideias, ao Douglass North, no início dos anos 90, mas mesmo se lerem com atenção, já no Adam Smith este tipo de ideias de alguma forma estava lá, e ainda mais para trás de alguma forma.

Eles ganharam, no entanto, o prémio Nobel não por esta ideia em si, que como eu digo, não era nova, mas por uma série de contribuições metodológicas, o que me leva à sua pergunta. Portanto, uma série de artigos científicos em que eles provaram de forma quantitativa que isto era assim, porque estas ideias, apesar de já existirem há muito tempo, não eram muito consensuais, ou de todo consensuais, sequer dentro da economia.

A Economia é uma área que muitas vezes está um pouco fechada à volta de si própria, não querendo ouvir o que tem a dizer a História, o que tem a dizer a Ciência Política. O reverso também é verdade, normalmente os historiadores não querem ouvir o que é que têm a dizer os economistas. E, portanto, um dos grandes méritos que podemos atribuir a estes investigadores é o de aproximá-las de alguma forma, trazer uma certa influência da história para a economia, mas de outra forma até tornar a própria História Económica mais influente dentro da Economia.

Eles ganharam por um conjunto relativamente pequeno de artigos que escreveram há mais de 20 anos, nem sequer foi pelas coisas que têm feito ultimamente. Eles escreveram uma série de artigos que foram muito influentes, o mais influente de todos é um de 2001, que de facto foi muito influente, que tem a ver com as origens da distribuição de rendimentos atual em grande parte do mundo e os efeitos do colonialismo.. Eles, entretanto, têm trabalhado nas últimas décadas, principalmente os dois que trabalham mais focados nisto, que são o Daron Acemoglu e o James Robinson, os autores do Porque Falham as Nações, neste tipo de temas. No caso do James Robinson, ele interessa-se muito por África, portanto também tem trabalhado muito sobre a história política e económica de África, aliás é sobre isso que ele tem agora trabalhado comigo, usando arquivos portugueses, juntamente com mais dois co-autores.

Para fazer uma analogia para quem conhece o meu trabalho, por exemplo, eu escrevi o livro As Causas do Atraso Português, muita gente conhece, baseado em trabalhos científicos que estão por trás. O livro não é o trabalho científico em si. O livro é baseado em artigos científicos que são publicados em revistas internacionais que só os especialistas da área é que leem e citam, e a forma como estes artigos estão escritos não é muito acessível ao grande público, mas é isso que dá origem, ao reconhecimento entre os pares. O Comité Científico também deu o prémio ao Simon Johnson, apesar de não ser autor do livro, porque ele é autor dos trabalhos científicos originais que estão por trás do livro.

Pode-nos explicar de forma breve, se é que isso é possível, as consequências do extrativismo e porque se torna prejudicial para as nações e que paralelismos podemos fazer com a situação portuguesa?

Bem, eles próprios em alguns dos artigos fundamentais que também deram origem a este prémio falavam de Portugal. Têm um artigo de 2005 em que falam do caso histórico de Portugal. Curiosamente, eu próprio não concordo com muitas das coisas que eles escreveram sobre Portugal e já tive a ocasião várias vezes de discutir isso com o James Robinson. Em boa verdade, ele neste momento até já reconhece que algumas das coisas que eu escrevi estão corretas e já não se reconhece plenamente no que escreveu nesse artigo de 2005. Quem tenha lido o capítulo 2 do livro As Causas do Atraso Português saberá ao que me refiro.

Eles falam sobre Portugal em termos históricos, até bastante. Portugal era um país com uma importância histórica muito maior, digamos há alguns séculos, que aquela que tem hoje. Hoje Portugal é um país completamente irrelevante na escala global, mas historicamente era mais importante e, portanto, quem estuda estas coisas é natural que se debruce sobre o caso de Portugal, que é um caso que muitas vezes está mal estudado historicamente por um conjunto de razões.

Por um lado, pelo próprio atraso do país e da sua academia hoje, que é muito atrasada, muito fechada sobre si própria, muito contrária ao mérito, pronto, é mesmo muito medíocre. Podemos sempre falar de pessoas que são exceções e estão a trabalhar em Portugal. Eu dou sempre o exemplo do Henrique Leitão, que é uma das melhores exceções que eu conheço, entre outras. Há pessoas excelentes que trabalham em Portugal, mas que são excelentes apesar das circunstâncias com que trabalham em Portugal, não por causa dessas circunstâncias.

Por outro lado, os académicos de outros países muitas vezes estudam países que não são os seus países de origem, por exemplo, o James Robinson é inglês, mas é um especialista na América Latina. Não estudam muito o caso português porque a língua é difícil, os arquivos são de difícil acesso, são de difícil utilização e, portanto, os economistas não sabem utilizar a língua e os arquivos, e os historiadores fogem de qualquer assunto quantitativo ou económico

Assim, o caso português tinha ficado ali um bocado perdido e eles escreveram esses artigos em que falaram bastante de Portugal, especialmente no caso de 2005, e muitas das coisas que eles escreveram, na verdade, não estavam corretas porque eles estavam a seguir uma literatura ainda anterior que existia. Por exemplo, o próprio Douglass North escreveu muitas coisas erradas sobre Espanha e sobre Portugal. Penso que posso dizer, sem falsa modéstia, que tenho dado algum contributo para mudar essa perceção a nível internacional, o que aliás não poderia ter feito sem o contributo indispensável de coautores nacionais como o António Castro Henriques. Simplificando, não há dúvida que as instituições portuguesas eram atrasadas em termos comparados no século XVIII, mas isso não é verdade para o século XV ou XVI, por exemplo.

Agora, ainda ligando também com a pergunta anterior, o trabalho científico deles dá respostas bastante concretas, o que querem dizer as instituições, o significado de boas instituições a funcionar, porque é que as instituições emergem num certo sítio de uma forma e noutros sítios de outras formas, porque é que quem tem o poder político num certo momento pode utilizar esse poder para construir as instituições e para as manipular, digamos, a seu belo prazer e para o seu próprio interesse económico. Portanto, o trabalho é mais profundo do que possa parecer se falarmos só destas coisas de forma um pouco vaga.

E que importância tem este prémio para os historiadores económicos? Não deverá reverter a tendência de desinvestimento por parte dos departamentos de Economia neste setor, como disse o professor Nuno Palma num post no X?

Não acredito que vá reverter. Infelizmente estou pessimista porque sabemos de prémios anteriores, do próprio Douglas North, depois da Claudia Goldin no ano passado e estes não vão ser certamente diferentes. Muitas vezes os departamentos de economia estão fechados sobre si próprios e não são muito abertos à interdisciplinaridade, à história económica.

Como também no caso de Law and Economics, a análise económica do direito, sobre a qual é especialista o Nuno Garoupa, um dos académicos portugueses que mais admiro, que trabalha nos Estados Unidos, são áreas que resultam do cruzamento de outras áreas, mas muitas vezes não são amadas nem bem compreendidas por nenhuma das duas áreas das quais resultam. No caso da história económica, muitas vezes não é bem apreciada nem compreendida nem pelos departamentos de economia, nem pelos departamentos de história.

Apesar de tudo, a situação é menos má nos departamentos de Economia. Nos departamentos de História, que também tendem a ser mais politizados, a situação em geral é mesmo péssima. Agora, é evidente que na sociedade em si estas coisas não estão departamentalizadas como estão nos departamentos académicos, não é? Não podemos compreender a forma como aparecem as instituições sem olhar para a História. Mas voltando ao problema académico, muitas vezes eu sei que vocês, os jornalistas, gostam de alguma controvérsia e eu dou-vos a controvérsia.  Acho que é absolutamente vergonhoso instituições como o Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa acabem com a História Económica, como estão a fazer, depois de longa tradição com pessoas como o Jaime Reis, ou o Pedro Lains, que fizeram carreiras inteiras dando contributos fundamentais para compreendermos a História Económica de Portugal.. E não é só o ICS que deixou de investir, mas no caso do ICS essa instituição chegou a um estado que só posso descrever como lamentável, em termos de investigação, pois foi essencialmente tomado pelo ativismo político.  Mas até mesmo em instituições mais sérias, como é o caso da Nova SBE, que tinha uma tradição de investigação em História Económica, neste momento já só existe investigador, um professor, que é o Luciano Amaral, que é de resto uma pessoa excelente, que tem excelente trabalho de investigação em história económica e eu cito muitas vezes no meu livro, mas que não deveria ser o único lá. Eu não poderia ter escrito o meu livro da forma que escrevi sem muitos dos trabalhos em que me baseei e citei, escritos pelo Luciano.

A Nova SBE tem tantas prioridades, contrata em tantas áreas e quer abandonar uma área como a História Económica. Uma área que dá prémios Nobel, deu dois seguidos (ou até três, se contarmos o ano anterior em que ganharam investigadores que estudaram assuntos inspirados na Grande Depressão). Porque não investe nesta área? Não se pode desistir de estudar os grandes temas intelectuais só para investir das áreas “da moda”. E eu noto que não há aqui conflito de interesse nenhum da minha parte, que eu não tenho interesse nenhum em trabalhar para Portugal de forma permanente, portanto, eu não estou a falar em causa própria, não tenho quaisquer planos nem intenções de ir trabalhar para Portugal nas próximas décadas. Sou ainda investigador do ICS (sem exclusividade, como é evidente), até meados de 2025; depois disso, nunca mais.

E a questão do mérito?

Há falta de critérios de mérito. A FCT é absolutamente disfuncional no seu funcionamento, é terceiro mundista. No caso do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa não há quaisquer critérios de mérito, seja nas contratações, seja nos júris que são utilizados. Portanto, até o Partido Comunista Chinês na China impõe mais critérios de mérito nas contratações para a administração pública, e em dar contratações definitivas, em todas essas questões dos funcionamentos, inclusivamente das universidades, do que o jardim à beira-mar plantado onde tudo parece ser, infelizmente, por amizades, proximidades políticas, e por favores. É completamente ridículo uma instituição, como é o caso do Instituto de Ciências Sociais, em que se vê que os candidatos que estão no topo dos rankings para ficarem no quadro são invariavelmente pessoas já da casa.

Isto, por exemplo, aqui em Manchester, é completamente impensável na carreira de investigação: contratar para professor alguém que é nosso ex-aluno de doutoramento. A circulação de ideias é fundamental para a ciência. Tem de se contratar quem é o melhor naquele momento, quem tem o melhor CV de forma objetiva. Em Portugal não é isso que acontece na prática. É um sistema que é completamente disfuncional, em que em geral os próprios júris não têm bons currículos e, portanto, não vão saber escolher. Tudo isso precisava de uma reforma profunda.

Já me disse que James Robinson é o seu co-autor e já explicou um pouco do trabalho que estão a desenvolver. Agora queria-lhe perguntar como vê a influência de Robinson, de modo geral e de maneira resumida, nas próprias ciências económicas?

A influência é muito forte. Todas as pessoas conhecem os trabalhos do Robinson pelo menos de forma superficial, às vezes de forma profunda, outras nem por isso, e apenas de forma algo superficial. Mas toda a gente sabe quem eles são, que tipo de trabalho fizeram, pelo menos os trabalhos mais conhecidos, as quase todos os académicos da área das ciências sociais já ouviram falar desse livro, Porque Falham as Nações.

Portanto a influência tem sido grande. E também em termos metodológicos, ou seja, algumas das formas de testar estas coisas em termos estatísticos, econométricos, que eles inovaram e que eles puseram em cima da mesa. Esse tipo de metodologia depois foi adaptado e adotado por muitos outros investigadores para fazer outro tipo de perguntas. Portanto, há uma contribuição metodológica para além da contribuição apenas das ideias.

Depois estas coisas também interagem uma com a outra, ou seja, a força da contribuição metodológica também tornou mais fácil que as ideias fossem aceites. É esse o objetivo de inovar em termos metodológicos.

E, portanto, a influência dele tem sido grande nestas áreas, mas eu continuo a dizer, tem sido muito maior na Ciência Política e na Economia do que tem sido na História, porque a História, insisto, está fechada sobre si própria, ainda mais do que a Economia. A história está fechadíssima a influências de outras áreas em geral. Obviamente estou a generalizar, mas noto por exemplo que os historiadores em Portugal insistem em escrever quase tudo em português. Isso é querer estar fechado ao mundo e muitas vezes criticam quem escreve em inglês, como se fosse uma coisa negativa querer que os outros países nos possam ler, compreender e ouvir, não é?

Outro dos galardoados, Simon Johnson, é mais conhecido em Portugal por ter escrito o artigo “O Próximo Problema Global: Portugal”, que não agradou ao então Ministro das Finanças Teixeira dos Santos, do que propriamente pelas suas contribuições para a Economia. O que acha deste episódio? É um dos sintomas do nosso atraso?

É natural e até em linha com as teorias destes prémios Nobel que dizem que quem beneficia do status quo, quem beneficia das rendas de um sistema que é extrativo, e, portanto, por ser extrativo beneficia uma minoria, que essa minoria faça tudo o que pode para calar quem tem opiniões contrárias. Eu próprio sou constantemente vítima disso em Portugal e, portanto, quem avisa sobre a podridão é normal que leve com quem quer defender as suas rendas, faz parte da defesa e os lobbies vão mexer-se para defender os interesses de quem quer que fique tudo na mesma, é natural.

Para concluirmos e também num nível mais pessoal, qual é a sensação de ser colega de trabalho de um prémio Nobel?

Eu conheço vários prémios Nobel, este não é o único. Este é o único com quem eu efetivamente estou a trabalhar como coautor e, portanto, trabalho de uma forma mais direta do que outros com quem já tenho falado. Mas é uma situação que é encarada de forma muito mais natural do que possa parecer. E note quepara cada pessoa que ganha o prémio Nobel há pelo menos uns outros 10 ou 15 que poderiam ter ganho e não ganharam por motivos vários.

Há muitos fatores que determinam quem é quem é um prémio Nobel e nós não devemos por um prémio Nobel num pedestal como se fossem uns génios e todos os outros uns tolos, não é? Eu percebo que em termos mediáticos conta muito ter o prémio Nobel, até porque o prémio Nobel, principalmente o da Economia, que é um prémio Nobel criado mais tarde e que é dado pelo Banco Central da Suécia, mas é reconhecido pela Academia Sueca, foi criado num momento em que a Ciência Económica tinha um grande prestígio que talvez hoje já não tenha por motivos vários.

Interagir com um prémio Nobel é uma coisa natural que as pessoas que estão em certos meios académicos fazem com uma certa regularidade. Mas devemos prestar atenção ao que foi dito e escrito, é certo.O próprio James Robinson já não se reconhece em algumas coisas que escreveu, como eu disse antes, nomeadamente até sobre Portugal. Algumas pessoas têm lido o Porque Falham as Nações, por exemplo, e têm chegado à conclusão que Portugal sempre instituições políticas absolutistas antes do século XIX. É uma ideia que não está correta. E quem tenha lido o meu livro, As Causas do Atraso Português, sabe que é incorreto.