Os caminhos do procurador-geral da República

Abre-se a porta de entrada ao novo PGR. Tem muito que fazer para fazer Abril acontecer

Liberdades, direitos e garantias individuais não têm rugas. Nem ranço. No sistema judiciário, o procurador-geral da República (PGR), é deles o primeiro garante. E há de de ser um homem livre de todos os poderes. Para quem a liberdade é base e alicerce de toda a convivência democrática. O povo português exige um PGR que cumpra, como jura, a Constituição da República. Que expressamente repudie o credo dos que, sob pretexto de reforma, buscam a funcionalização do Ministério Público (MP). Assim dominando a investigação e processo penal. Bate a porta e sai a PGR. Será esquecida como o vento que chega e já passa. 

A grande questão do MP não é a autonomia. É a ausência manifesta de hierarquia. O poder hierárquico não é ostentatório. A exibir como pompa nas cerimónias oficiais. Vem da Constituição e lei para transmitir ordens e instruções. Impedir os excessos, abusos e ilegalidades. Ou, pelo menos, para os desautorizar/condenar quando cometidos à revelia. Nunca para, cúmplice, os calar.

Abre-se a porta de entrada ao novo PGR. Tem muito que fazer para fazer Abril acontecer. Piero Calamandrei foi político, jornalista e jurisconsulto. Escreveu: «Entre todos os cargos judiciários, o mais difícil, é o do Ministério Público». Entre a autonomia na acusação, e independência do juiz. O PGR representa o MP nos tribunais superiores. No Tribunal Constitucional. Dirige e fiscaliza todo o MP. É o presidente do Conselho Superior do Ministério Público, órgão de gestão e disciplina do MP.

O poder hierárquico do PGR estende-se a todos os magistrados. A ele todos prestam contas das ações e omissões. Seguem-lhe as instruções, na forma da lei. A ausência, a tibieza da hierarquia torna o MP um grupo anárquico e caótico. É estranhamente dissolvente que magistrados do MP impugnem em tribunal instruções do PGR. Faz mal à democracia. As grandes questões processuais abalam a comunidade e o próprio Estado. Exigem do PGR uma intervenção hierárquica segura, rigorosa e atempada. Para fechar a porta a fissuras sociais e até políticas. 

O MP não é uma magistratura monocórdica. Aos magistrados não deve coartar-se a palavra. Como tal, o MP fala a uma só voz. A do PGR. A imagem pública traduzida em supostas informações processuais sem critério, atomísticas, nem informam nem clarificam. Confundem. Escurecem. Mais ainda quando traduzem odor fraudulento, parente da violação do segredo de justiça. O PGR tem o direito, o dever, de orientar, respeitando a autonomia dos magistrados, de traçar planos e projetos de ação. Não é a ‘rainha de Inglaterra’. Isso é que é a hierarquia. Que responsabiliza o PGR. Os magistrados. Não lhe compete apenas manter a ‘sua casa em ordem’.

Nem é o príncipe do Palácio de Palmela. Já Fernando Pessoa, do alto da sua imensa sabedoria, ensinou que no «Píncaro não há lugar para o homem só». Como líder de uma instituição de relevância do Estado Democrático, o PGR há de interagir com os seus concidadãos, Reservando e fazendo com que se reserve o que não deve ser público. Com o Governo haveria de assumir uma postura institucional. De Estado. A ministra da Justiça, ao invés dos recados, deveria comparecer, sempre que necessário e o entendesse, às reuniões do Conselho Superior do Ministério Público. Aí esclarecendo e informando, solicitando informações e esclarecimentos. O que nunca fez.