O mercado de habitação está ao rubro, tanto para quem compra como para quem arrenda. O problema não é novo – a Comissão Europeia já apontou para a existência de indícios de sobrevalorização de preços no mercado imobiliário nacional, considerando que a falta de habitação acessível é já um problema social em Portugal – mas os alarmes têm subindo de tom nos últimos meses com várias manifestações na rua.
Do lado do Governo, a resposta passa pelo aumento da oferta. Ainda no mês passado, Luís Montenegro anunciou que iria disponibilizar 59 mil casas nos próximos seis anos. “O objetivo passou de construir 26 mil novas casas”, que estavam previstos no PRR (Plano de Recuperação e Resiliência), “para 59 mil novas casas – mais 33 mil novos fogos”, que serão financiados pelo Orçamento do Estado.
O primeiro-ministro disse ainda que o Executivo conta “com o contributo de todos os setores para que a sociedade seja mais justa e os problemas que realmente afetam a vida das pessoas possam ser solucionados”, e no caso da habitação, “não se resolve sem o impulso da iniciativa privada, cooperativa, das instituições sociais”.
E acrescentou: “Precisamos de estimular a oferta e que essa oferta seja disponibilizada às pessoas a preços acessíveis e comportáveis pelas famílias”, acrescentando que estavam a ser levada a cabo “políticas para que isso aconteça” e nas quais “o Estado tem a sua própria responsabilidade” em que o programa inclui construção, reabilitação, aquisição de imóveis ou arrendamento público para subarrendamento.
É certo é que este não é um problema fácil de resolver. Em entrevista ao i, Filipa Roseta, vereadora do Urbanismo da Câmara Municipal de Lisboa chegou a admitir que garantir que todos tenham casa na capital até 2023 é uma tarefa impossível. “Em tese, pelos movimentos pendulares temos qualquer coisa como 300 mil entradas de carros por dia, então num cenário hipotético essas 300 mil pessoas quereriam viver em Lisboa porque vêm para cá todos os dias, mas não dá. Não vamos ter 300 mil casas nos próximos anos. Esse movimento pendular vai continuar, mas o que é que podemos fazer?”, questionou.
E este não é um caso isolado de Lisboa e reflete-se um pouco por todo o país. O problema está identificado, mas a solução é mais difícil de concretizar.
Crédito: tábua de salvação? Para a maioria dos portugueses, o recurso ao crédito para a compra de casa é apontada com uma das soluções. E os números falam por si. De acordo com os últimos dados divulgados pelo Banco de Portugal (BdP), o montante de novos contratos de crédito à habitação atingiu 1545 milhões de euros até julho. Trata-se do valor mais elevado desde março de 2022. Já a taxa de juro média dos novos contratos de crédito à habitação diminuiu 0,13 pp, fixando-se em 3,43%, enquanto que nos contratos renegociados, a taxa de juro média decresceu 0,16 pp, para 3,93%.
Para este mercado, o Governo quis dar uma “ajuda” aos jovens até aos 35 anos. A garantia pública do crédito habitação para os jovens já está em vigor, no entanto, o novo apoio do Estado que possibilita financiamento bancário a 100% só deverá estar operacional no final do ano. O governador do BdP tem reforçado a ideia de que é preciso “cautela” na adesão à garantia pública, sublinhando que aumenta o risco de incumprimento dos jovens, o que poderá significar uma subida das taxas de juro. E, como tal, deixa várias recomendações aos bancos na concessão de empréstimos com a garantia pessoal do Estado.
Um estudo feito pelo ComparaJá.pt a que o i teve acesso, revela que em setembro, a aquisição de imóveis representou 48,4% da procura total, um aumento de 4,9 p.p. em relação a agosto (43,5%). “Este crescimento poderá estar relacionado com as recentes descidas da Euribor e com as novas medidas da habitação jovem, apesar das condições de mercado ainda serem desafiadoras”.
Por outro lado, assistiu-se a um aumento expressivo na procura por crédito para construção, que subiu de 1,4% em agosto para 5,6% em setembro. “Este crescimento pode indicar um interesse crescente em novas construções, talvez como uma alternativa à compra de imóveis em zonas onde a oferta é limitada ou os preços estão elevados”, revela o documento. Já o montante médio dos empréstimos concedidos aumentou, passando de 152.841 euros em agosto para 167.123 euros em setembro. “Este aumento de aproximadamente 9% reflete a tendência de encarecimento das habitações, especialmente nas regiões urbanas e periféricas. O prazo médio contratado para créditos habitação fixou-se nos 31 anos no mês de setembro”.
O estudo revela também que a maioria das operações do mês de setembro está concentrada nos distritos de Lisboa, Porto e Setúbal. “Esta concentração indica uma maior procura por crédito nas regiões metropolitanas, alinhada com o aumento dos preços das casas nas zonas urbanas de Lisboa, onde a procura habitacional continua elevada”, salienta.
Arrendamento: outra dor de cabeça O mercado não está mais tranquilo no que diz respeito ao mercado de arrendamento. Ao i, António Frias Marques tem dito que “encontrar uma casa para arrendar é quase impossível para os portugueses” e diz que a culpa é também da falta de oferta, cuja solução terá de passar, no seu entender, por uma intervenção do Estado. “Este tem de fazer casas. Isso já se fez, como era o caso das casas sociais. Houve uma época, e não foi assim há tantos anos, que acabaram com as barracas e havia casas para toda a gente. Isto é um fenómeno relativamente recente, mas já tem 20 anos”, salientou o presidente da Associação Nacional de Proprietários.
Também do lado dos inquilinos não há solução à vista. Para o secretário-geral da Associação dos Inquilinos Lisbonenses, “enquanto não houver fiscalização e regulação no mercado, os preços das rendas não vão baixar”, disse ao nosso jornal António Machado. E acrescentou: “Mantém-se o calvário de arrendar uma casa em Portugal, não só em Lisboa ou nos arredores, mas no país todo. A disponibilidade é insuficiente e o preço é elevadíssimo. Sem falar nos prazos de contratação que são pequenos, rondam um ano, o que representa uma precariedade ou instabilidade, colocando problemas sérios a quem quer arrendar casa”.