O complexo de Mafra

No Porto há dois projetos que estão em curso e que me preocupam:a extensão do molhe de Leixões e a linha Rubi…

Portugal tem um problema com as grandes e vistosas obras públicas. Pelo menos desde a construção do Convento de Mafra que apostamos recursos escassos em projetos megalómanos, que animam a economia e alguns negócios durante a sua construção mas resultam num fardo para a sociedade. Ou porque o seu custo e manutenção se prolongam no tempo, ou porque não produzem impactos positivos no bem-estar dos cidadãos e no progresso do país.


A culpa não é apenas dos governos, tantas vezes voluntariosos mas distantes e menos atentos. A opinião pública é corresponsável, porque se embasbaca com cada anúncio e relega quem questiona ou contesta alguma obra megalómana ou inútil para o papel de ‘velho do Restelo’.
No Porto, essa cidade irresoluta onde tudo se discute, havia a salutar tradição de resistir a tal encantamento: a sociedade civil mobilizava-se contra aventuras grandiloquentes. Umas vezes sem sucesso, como aconteceu com a demolição do Palácio de Cristal, outras com vitórias, como se verificou há 25 anos com os horrorosos molhes planeados para a foz do Douro. Na altura, um grupo de cidadãos de que fiz parte conseguiu impedir tamanho dislate, exigindo um projeto menos impactante, que, aliás, tem servido na perfeição.


Mas este espírito crítico parece adormecido. No Porto, há dois projetos que estão em curso e que me preocupam. O primeiro, irreversível, é a extensão do molhe de Leixões, que transformou a paisagem da Foz e tapou a vista sobre o Atlântico a troco de um aumento, discutível e irrelevante, das acessibilidades ao porto. Fomos poucos os que questionaram um projeto em que o dano à paisagem não entrou na análise custo-benefício.
O segundo é a linha Rubi, que prevê a travessia do Douro através de uma nova ponte que, independentemente da arquitetura, que não discuto, será construída no local errado, destruindo o património da cidade do Porto numa das suas zonas mais sensíveis. A linha Rubi é inquestionável, na medida em que reforça a ligação em transporte público entre Gaia e Porto. Mas a travessia do Douro – que é apenas uma parte do projeto – poderia efetuar-se pela ponte da Arrábida, reduzindo o fluxo na VCI e poupando milhões aos contribuintes e danos à paisagem. O impacto paisagístico da ponte será dramático, conflituando com a vista da Arrábida e ensombrando o cenário romântico do Gólgota.


A autarquia do Porto não foi auscultada quanto ao local da travessia. Quando tomou conhecimento do projeto, tentou discuti-lo, envolvendo as “forças vivas” da cidade e a Academia. Mas, depois de violentas críticas iniciais, a Faculdade de Arquitetura (FAUP) silenciou-se, vergada ao peso da assinatura dos projetos. E os portuenses, que mal conhecem a obra que está prevista, foram entretidos com a votação sobre a toponímia da ponte. Só agora os detalhes do projeto e o seu impacto paisagístico estão a vir a lume.
Entretanto, como vem sucedendo em todas as obras da Metro do Porto, os atrasos já são imensos e a candidatura ao PRR fracassou. Pois bem, esta pode ser uma excelente oportunidade para a população do Porto bater o pé e para o Governo remediar o projeto. Dever-se-ia redesenhar a linha Rubi, avaliando a possibilidade de abandonar o projeto da nova travessia e de recorrer à ponte da Arrábida, substituindo os carros que a entopem por um metro eficiente.


Mais vale tarde do que nunca para corrigir um erro e, sem PRR, abre-se uma nova esperança. Chamem-me velho do Restelo, mas não ficaria de bem com a minha consciência se não voltasse a dizer, como disse desde o início, que esta versão da linha Rubi, além de ser pouco útil, é trágica para o Porto.