Eleições EUA. O que esperar em termos económicos de cada um dos candidatos

Se os EUA avançarem para uma política protecionista da sua economia a Europa poderá tremer. O controlo do défice orçamental e da inflação são entendidos como prioridades do próximo Presidente.

Impostos, comércio internacional, habitação e benefícios sociais são alguns dos temas que distinguem os candidatos à Casa Branca. Os economistas ouvidos mostram-se divididos em relação a qual será o melhor resultado eleitoral em termos económicos. Vítor Madeira, analista da XTB, considera que “qualquer desfecho das eleições não deverá afetar de forma agressiva em termos económicos o país, podendo apenas influenciar determinadas áreas específicas”, referindo ainda que temos assistido a uma hegemonia na economia dos EUA ao longo do tempo independentemente de quem está a governar o país. “A envolvente criada ao longo do tempo em termos económicos, burocráticos, de mentalidade, capacidade tecnológica e produtiva, geográfica, matérias-primas existentes e o controlo militar pelo mundo levou a que os EUA se mantivessem uma potência mundial”, salienta.

Ainda assim, diz que em termos internos, segundo as previsões incluídas no programa eleitoral de Donald Trump, “a redução de impostos poderá ser mais benéfica para o crescimento económico, tendo uma influência económica superior a curto prazo”.

Já Paulo Monteiro Rosa, economista do Banco Carregosa, entende que a melhor perspetiva económica, em geral, ocorre quando o candidato vencedor consegue equilibrar políticas fiscais responsáveis – reduzindo o défice público e promovendo investimentos em infraestrutura e inovação – com políticas comerciais de abertura ao mercado externo. E defende que, em relação aos mercados financeiros e ao sistema monetário, um Governo que tem uma relação construtiva com a Reserva Federal dos EUA, respeitando a sua independência, “contribui para a manutenção da inflação controlada, evitando bolhas financeiras nos mercados, fundamental para um crescimento económico sustentável a médio e longo prazo”, o que leva a acreditar que a “combinação de estabilidade política, políticas orçamentais e comerciais equilibradas, combinadas com um programa de renovação das infraestruturas, tendem a ser o cenário económico mais favorável após uma eleição presidencial nos EUA”.

Mas o que os distingue? O economista lembra que, no que diz respeito a impostos, Trump pretende manter e expandir as reduções fiscais de 2017 (Tax Cuts and Jobs Act), reduzindo ainda mais as taxas às empresas para entre 15% e 20%. Já Kamala Harris defende um aumento da taxa de imposto sobre os rendimentos mais elevados (acima de 400 mil dólares anuais), além de um aumento dos impostos sobre ganhos de capital para rendimentos acima de um milhão de dólares. Este plano visa arrecadar mais receita dos rendimentos mais elevados para financiar programas sociais e de infraestrutura.

No comércio internacional, Trump propõe uma política de aumentos das tarifas, incluindo uma tarifa geral de 10% sobre as importações e taxas até 60% para produtos chineses. Esta estratégia pode fazer subir os preços de bens de consumo. Enquanto isso, Harris adota uma abordagem mais convencional, sem planos para novas tarifas, focando-se mais em negociações comerciais equilibradas para manter a competitividade americana sem pressões inflacionistas diretas.

Quanto à habitação e ao controlo de preços, Paulo Monteiro Rosa diz que Harris propõe medidas para controlar a alta dos preços das casas e reduzir os custos para inquilinos, limitando aumentos anuais de rendas e promovendo incentivos para a construção de habitações económicas. Entretanto, Trump não promove controlos de preços, mas apoia créditos fiscais que incentivam o desenvolvimento habitacional. Em relação aos benefícios sociais, ambos os candidatos apoiam uma expansão do crédito fiscal infantil, mas com valores diferentes; Harris propõe um crédito anual até 6.000 dólares para recém-nascidos, enquanto Trump defende um crédito único de cinco mil dólares por criança. Esse apoio poderia ajudar na diminuição da pobreza infantil, sobretudo entre as famílias de baixos rendimentos, mas também implica desafios de financiamento que poderiam agravar ainda mais o défice orçamental norte-americano, especialmente a longo prazo.

Contas públicas

Vítor Madeira chama a atenção para o facto de nenhum dos candidatos apresentar uma linha orientadora para equilibrar as contas públicas na matéria da dívida pública total. “Por um lado, Kamala Harris pode aumentar os gastos do Estado com a implementação de políticas de aumento dos gastos públicos e subsídios. Por outro lado, Donald Trump pretende reduzir a carga fiscal, o que iria reduzir as contribuições para o Estado”. E acrescenta que não lhe parece que qualquer destas opções represente uma ameaça para a economia norte-americana, uma vez que “continua a crescer de forma significativa e em termos tecnológicos continua a ser uma das potências mais avançadas do mundo, tendo capacidade para pagar a sua dívida”.

Menos otimista está o economista do Banco Carregosa. Paulo Monteiro Rosa lembra que os EUA continuam a ter elevados défices orçamentais, acima de 6% do PIB nominal. O rácio da dívida pública face ao PIB nominal é de 122%. No entanto, o resiliente crescimento económico nominal, atualmente à volta de 5,5%, ainda consegue absorver grande parte do atual défice de 6,3%. É historicamente raro um défice tão elevado em tempos de expansão económica. “Seja qual for o partido que formar a próxima administração dos EUA, o Governo continuará a ter défices orçamentais elevados. Pelo menos, a despesa associada a uma população cada vez mais envelhecida, e respetivos cuidados de saúde, e os crescentes custos com o serviço da dívida (juros) tornam quase inevitáveis os défices fiscais à volta dos 5 ou 6%. Ademais, uma eventual desaceleração da economia, ou mesmo recessão, impulsionariam significativamente o défice orçamental talvez acima dos 10%, com menores receitas e mais despesas impulsionadas pelos estabilizadores automáticos”, diz ao nosso jornal.

E assinala que as hipóteses em cima da mesa são de um poder dividido, onde o controlo da Casa Branca é de um partido e o outro domina o Congresso, ou então um dos partidos, republicano ou democrata, controlam ambos os poderes, Casa Branca e Congresso. “Com um poder dividido, caso um dos partidos ganhe a Casa Branca e o outro controle o Congresso (Senado e Câmara dos Representantes), a dívida pode subir um pouco acima dos 125% do PIB até 2035. No entanto, a subida da dívida pública será muito mais acentuada se um partido ganhar conjuntamente a Administração e o Congresso”.

Face à atual situação económica americana, Paulo Monteiro Rosa elege como prioridades económicas o controlo do défice orçamental e da inflação, coesão social, fomento da inovação e da competitividade tecnológica, melhoria da educação e da saúde da população. “Estas iniciativas, se bem executadas, podem proporcionar estabilidade económica, fortalecendo o crescimento a longo prazo, melhorando a competitividade dos EUA no cenário global”, salienta.

E a Europa?

A economia europeia esteve sempre ligada à economia americana. No entanto, o analista da XTB_nota que os EUA têm alterado a sua visão, defendendo uma postura autossuficiente em relação a outras forças. E que esta visão poderá aprofundar-se num cenário de vitória de Donald Trump, “que tem um desejo de protecionismo da economia dos EUA, assim a implementação de tarifas às importações pode ter um impacto negativo nas exportações de outros países, afetando assim a economia europeia, quer de forma direta ou indireta”. E acrescenta: “Quando a economia norte-americana se encontra numa fase de expansão, o efeito tem sido benéfico para a economia europeia, portanto políticas de redução fiscal nos EUA poderiam ter um impacto indireto positivo na economia europeia”, mas refere que “dada a fraqueza demonstrada nos últimos tempos pela economia europeia, o desfecho do resultado continua muito ambíguo”.

Também Paulo Monteiro Rosa refere que uma política protecionista que implique recuo do atual nível de globalização não seria boa nem para a Europa, nem para a economia global. “A política monetária e evolução das taxas de juro podem também seguir um rumo diferente. Uma política monetária energicamente expansionista nos EUA poderia enfraquecer o dólar, tornando os produtos europeus menos competitivos via-preço, tendo o BCE de responder também com uma acentuada descida das taxas de juro”. E conjetura: “A Europa poderá enfrentar oportunidades e desafios no pós-eleições norte-americanas. Uma administração que promova a estabilidade do comércio global, estimule a inovação tecnológica e mantenha a segurança energética é, geralmente, a mais benéfica para a economia europeia. Em contraste, as políticas protecionistas nos EUA poderiam prejudicar o comércio transatlântico, aumentando os custos de importação, afetando a economia europeia”.