Um destes dias, passava num canal de televisão um programa chamado Alimentação do Futuro – e eu tremi. Tremo quando vejo este género de títulos. Porquê? Porque, quanto mais se fala sobre alimentação, pior se come. Portugal tem uma ótima cozinha tradicional. Que inclui sopas diversas; pratos de peixe, carne e mariscos, acompanhados de diferentes legumes; frutas e doces variados. É uma cozinha monótona? Não é. Mas de repente constatamos que os restaurantes que apresentam estas ementas estão a fechar.
Dir-se-á que tudo evolui, e que a cozinha portuguesa também tinha de evoluir. Tinha de se modernizar – como fez Júlia Gaspar Vinagre no seu saudoso restaurante A Bolota, na Terrugem, que teve réplicas em Castelo de Vide, Évora e Lisboa, embora sem o mesmo impacto.
Não é isso, porém, o que se passa. O que acontece é que os restaurantes de cozinha tradicional portuguesa estão a ser substituídos por outros de cozinhas mais pobres – como a americana, a italiana ou a japonesa. Os restaurantes de hambúrgueres, de pizzas, de sushi, etc., substituem hoje em toda a parte os velhos restaurantes de cozinha portuguesa.
Já escrevi uma vez sobre este assunto, e não vou insistir. Não é esse o ponto que quero sublinhar hoje. A perspetiva é outra.
Argumenta-se que a cozinha portuguesa é muito pesada. Tem pratos como o cozido à portuguesa, o arroz de cabidela, a feijoada, a chanfana, as tripas à moda do Porto, etc., que engordam e não são muito saudáveis.
A palavra ‘saudável’ ganhou, aliás, no discurso sobre alimentação uma grande importância. A toda a hora ouvimos falar em ‘comida saudável’. Elogiam-se as saladas. Comem-se cada vez mais saladas cruas, em substituição de outros alimentos. Interrogo-me, porém, sobre o seguinte: os animais mais corpulentos não são exatamente os herbívoros, os que comem vegetais – como as vacas, os bisontes ou os elefantes? Inversamente, os animais mais elegantes e mais ágeis não são os carnívoros – os lobos, os tigres, os leões?
Aquelas pessoas que não comem carne nem peixe para não engordarem, substituindo-os por pratadas de salada, já alguma vez pensaram nisto?
E não me lembro de nenhum ‘nutricionista’ – espécie cada vez mais presente nas TVs, nos jornais, nas revistas e nas redes sociais – ter alguma vez abordado este assunto.
Há outro enigma nesta história da alimentação.
Nunca houve tanta preocupação com o tema como agora; multiplicam-se os conselhos sobre o assunto; as conversas acerca das dietas são constantes; nas prateleiras dos supermercados os produtos tradicionais são substituídos por produtos light e pelas bebidas sem açúcar; diabolizam-se os doces porque engordam; não se come manteiga porque engorda; nem fritos, porque fazem subir o colesterol; e quando seria natural que os portugueses e as portuguesas fossem cada vez mais elegantes, passa-se exatamente o contrário: estão cada vez mais gordos. Há hoje em Portugal 2,3 milhões de obesos. Mas nem seria preciso saber o número: basta sair à rua e olhar para as pessoas para o verificarmos.
Explique quem saiba.
Diga-se que este fenómeno não é original nem exclusivo da alimentação. Há muito tempo que estamos perante casos deste tipo: quanto mais se fala de um problema, mais ele se agrava.
Quanto mais se fala de violência doméstica, mais casos de violência doméstica se verificam. Quanto mais se fala de incêndios, mais casos de fogo posto ocorrem. Quanto mais se fala de racismo, mais casos de racismo há. Do mesmo modo, quanto mais se fala de dietas, quanto mais preocupação com a comida parece existir, quanto mais consciência parece haver do assunto, mais gente gorda se vê.
Elimina-se o cozido à portuguesa, a feijoada e quejandos porque não são saudáveis; comem-se saladas às carradas; só se bebem refrigerantes com zero açúcar e consomem-se cada vez mais produtos magros; escutam-se com fervor religioso os nutricionistas e leem-se os seus conselhos nos jornais e nas redes sociais, mas os portugueses, em média, em vez de emagrecerem, engordam.
E não se trata de um fenómeno exclusivamente português. Vamos aos EUA, um país que está na crista da onda do politicamente correto em tudo, e a quantidade de gente gorda é impressionante.
Numa palavra, na era da ‘alimentação saudável’ e da consciencialização da população para este assunto, a percentagem de obesos nunca foi tão grande.
Seja qual for a explicação, estamos perante um paradoxo.