Fui, em junho de 1994, a um encontro dos Estados Gerais do PS no Hotel do Buçaco a convite da Maria Carrilho que tinha, anos antes, sido minha professora de Sociologia no 1.º ano da licenciatura em OGE no ISCTE. Ela era na altura a responsável pela temática da Defesa nos Estados Gerais do PS. Eu tinha terminado o doutoramento na Universidade de Strathclyde no ano anterior o que fazia de mim, na altura, um dos mais novos de sempre a completar esse grau académico, tendo Henrique Neto, que conheci nesse encontro, comentado: «Não sabia que já se faziam doutorados com esta idade».
A Maria Carrilho que nunca deixou de acompanhar o meu percurso queria que António Guterres ouvisse algumas das propostas e visões que tinha para a sociedade e para a economia portuguesa.
Para além de alguns membros da JS (onde estava também Sérgio Sousa Pinto) eu era um dos mais novos. Era certamente o desconhecido; para além de Maria Carrilho ninguém me conhecia. Ela teve o cuidado de me apresentar a António Guterres. Escrevo estas notas para que fique claro o enquadramento da minha presença e a distância ao conhecimento do grupo.
Foi nesse fim de semana que a Ponte 25 de Abril foi bloqueada por um protesto contra o aumento das portagens. Foram momentos de muita tensão, cargas policiais, detidos e feridos. Era Presidente da República Mário Soares, pai político de António Guterres, e primeiro-ministro, Aníbal Cavaco Silva. Nessa tarde assisti a uma versão de Guterres que nunca mais esqueci. A forma como falou do seu pai político, a linguagem que usou e o comportamento que associou são muito diferentes daquele que aparece nos ecrãs de televisão. O personagem que naquela circunstância vi causou-me uma tal repugnância que no dia seguinte abandonei, bem cedo, o hotel do Bussaco. Despedi-me apenas da saudosa Maria Carrilho.
A forma como Guterres tem ocupado o cargo de secretário-geral da ONU constitui, em minha opinião, um atentado à essência da Carta das Nações Unidas. Em vez de promotor da paz tem sido um instigador de ódios, em vez de ator principal tem sido comentador, na vez da equidistância e independência tem sido tendencioso de tal forma, que quase faz crer encontrar-se debaixo de qualquer chantagem. A participação na reunião dos BRICS a convite do Presidente russo, faz acender todas as desconfianças de um caso que não conhecemos e qualquer que seja a perspetiva não encontra justificativa num ‘master mind’ sensato e responsável. Desde aquele episódio em 1994 que ganhei uma enorme desconfiança a António Guterres. Todo o seu percurso entre o discurso e a prática me reforçaram essa desconfiança. A vénia a Vladimir Putin por parte do secretário-geral das Nações Unidas veio apenas confirmar que o que assisti em 1994 era de facto a verdadeira essência da pessoa. Mal vai o mundo quando o cargo mais importante na construção de pontes para a Paz é desempenhado por quem, na minha opinião, tem pouca coluna vertebral. Quanto ao Henrique Neto, que conhece Guterres muito melhor que eu, tornei-me amigo para a vida. Considero-o para além de estruturado e híper-competente, uma pessoa de bem, que fala verdade e com coragem, coerente entre o que diz e o que faz. Gosto de pessoas assim. Por fim e por falar em coerência e na falta dela. Os tristes acontecimentos tumultuosos que assolaram algumas zonas da Área Metropolitana de Lisboa vieram colocar a nu a falta de pensamento e projetos do Governo e da generalidade do poder político sobre a integração e equilíbrio social. Esses acontecimentos mostraram também a velocidade do oportunismo e aproveitamento político da generalidade dos extremistas, a nulidade do Governo e por fim, para compensar, a excelência, a dimensão superior, a humildade e a capacidade de fazer bem feito (faz muitos anos) de Isaltino Morais enquanto presidente da Câmara de Oeiras. No meio de tanta imbecilidade Isaltino Morais, felizmente, ainda resiste.
Das vénias aos caixotes de lixo
A vénia a Vladimir Putin por parte do secretário-geral das ONU veio apenas confirmar que o que assisti em 1994 era de facto a verdadeira essência da pessoa.