Estamos a menos de um ano de eleições autárquicas, ocasião perfeita para os partidos se entenderem sobre alterações à legislação relativa ao poder local. Como se sabe, o executivo municipal é formado pelo presidente e vereadores eleitos pelas várias forças políticas que concorrem às eleições, de acordo com o método de Hondt. As listas são nominais, sendo que o presidente de câmara é o primeiro da lista que obtém maior número de votos.
No presidente são delegadas todas as competências, parte das quais podem ser subdelegadas nos vereadores. Os vereadores eleitos são inamovíveis e, se tiverem algum impedimento, são substituídos pelo seguinte na lista.
Comparando uma câmara a um governo, isto equivaleria a dizer que não pode haver remodelação governamental durante o mandato. O presidente apenas pode rever a delegação de competências entre os eleitos. Nas deliberações do órgão executivo participam e votam o presidente e todos os vereadores, tenham ou não pelouro, façam ou não parte da lista encabeçada pelo presidente de Câmara.
A eleição para a Assembleia Municipal – o órgão deliberativo – decorre em separado. Ao contrário do que sucede na vereação, o seu presidente é eleito interpares e pelos presidentes de junta de freguesia, curiosamente eleitos noutra votação, para uma outra autarquia.
As competências da assembleia municipal são reduzidas: é um órgão de fiscalização, os seus poderes equiparam-se a um conselho fiscal, acrescido de poder de veto em matérias que, pela sua relevância, dependem do seu crivo.
O sistema não me parece adequado. Deveria haver apenas uma eleição para a câmara municipal, que elegeria o parlamento da cidade. O presidente de câmara seria o número um da lista mais votada – respeitando a tradição presidencialista do cargo – e escolheria os membros do executivo entre o colégio de deputados eleitos, sujeitando o seu programa de governo à aprovação do parlamento da cidade, podendo ser destituído por um voto de censura construtivo desse órgão.
Já as freguesias devem ser autarquias plenamente autónomas, sem interferência ou participação na assembleia, uma vez que tem os seus órgãos próprios.
Seria, assim, possível reduzir o número exagerado de eleitos e permitir que o executivo municipal se fosse adequando às necessidades de gestão da autarquia, valorizando e corresponsabilizando todos os eleitos.
A lei vigente (Lei n.º 75/2013) tem inúmeros aspetos absurdos, que urge serem corrigidos. A dimensão deste artigo não me permite detalhá-los, mas recomendo ao leitor interessado que consulte a legislação. Basta ler sobre as ‘competências materiais’ dos órgãos para perceber que o legislador se perdeu no detalhe, e que desconhece a realidade. A lei tem preciosismos hilariantes, que comprovam que o centralismo não resiste a ser insensatamente paternalista.
A legislação determina, por exemplo, no seu artigo n.º 53, que em cada sessão ou reunião ordinária dos órgãos das autarquias locais seja «fixado um período de antes da ordem do dia, com a duração máxima de 60 minutos, para tratamento de assuntos gerais de interesse autárquico.» O leitor compreenderá que a duração desse período, pela relevância do que lá é tratado, deve ser definido por cada vereação em função das circunstâncias particulares do momento. Não pode ser restringido, porque, para além das resoluções da ordem do dia, há a atualidade política, que é da maior relevância.
Se não querem alterar a governança, pelo menos retirem da lei tudo aquilo que não faz sentido!