Muito se tem falado, não de hoje ou passado recente, mas desde há muito, que o investimento nas Forças de Segurança, e em especial na PSP, é parco e insuficiente para seguir um caminho de transformação, de eficiência, enfim, de progresso. Lembremo-nos que Portugal, tendo um dos maiores ratios de polícia por cada 100.000 habitantes, é daqueles que ainda assim investe menos do seu PIB nas Forças de Segurança segundo dados do Eurostat[1], com uma média de apenas 0.9% do mesmo, bem abaixo de países como Espanha, Bélgica ou Polónia. Assim se percebe o porquê de continuarmos a insistir gaulesamente na mesma tecla, já que a ausência de reformas e a o fraco investimento mantêm estas instituições caducas e reféns de migalhas que tardam em não vir.
Desde logo, quando a grande fatia de orçamento alocado à PSP se destina ao pagamento de remunerações e se fixa nos 90%, deixando pouca margem, depois de pagos todos os demais contractos de aquisição de bens de serviços e despesas correntes, para que se possa assegurar uma margem razoável de investimento, situando-se esta em pouco mais de 2%, qualquer coisa como 13€ a 15€ milhões do orçamento global habitualmente concedido à PSP, limitado que está, lembremo-nos, pela dependência de receitas próprias [projectadas] e de cativações orçamentais cada vez mais habituais. Ao olhar para o figurino europeu, percebe-se bem o porquê de ficarmos com a ideia de que o Estado continua a não olhar para as Forças de Segurança com a dignidade que merecem, observe-se os exemplos de França, Noruega ou Inglaterra que despendem de 67%, 73% e 81% do seu orçamento para despesas de pessoal, permitindo que o restante seja adequada e utilitariamente utilizado para rejuvenescer e melhorar o funcionamento da organização, tornando-a mais ágil e com melhores condições de trabalho para os profissionais que nela trabalham.
É verdade que em Portugal instituiu-se, como sabemos, uma Lei de Programação de infraestruturas e equipamentos das forças de segurança, tendo em vista uma gestão mais centralizada dos investimentos em 7 rúbricas vitais, com projecções de investimento dilatadas no tempo, cabendo a tarefa à Secretaria-Geral do MAI. A este nível ressalta-nos problemas de diversa natureza, designadamente:
- Grande parte da concentração orçamental resulta de verbas que foram retiradas das receitas próprias das respectivas Forças de Segurança e entidades que integram o diploma, o que explica a escassez orçamental que assinalámos lá atrás;
- Pese embora se tratem de planos de investimento plurianuais, apenas 3 das rúbricas permitem a transição de saldos, designadamente infra-estruturas, armamento e equipamento, o que necessariamente limita imenso a concretização das verbas tendo em conta que grande parte da contratação pública, se prolonga no tempo, impossibilitando a execução material e financeira do ano corrente, ou até na demora da autorização de encargos plurianuais; e
- Por último, resultado do ponto anterior, temos as baixas taxas de execução, variáveis é certo de rúbrica para rúbrica, mas que ilustram bem a ideia de que planear não significa executar.
Atente-se para isso, a título de exemplo, os valores de execução da anterior Lei de Programação para que se tenha uma ideia do fracasso.
Destaque ainda para o valor enganador da execução da medida TIC, cuja fatia se Leão se destina a assegurar o funcionamento da Rede Nacional de Segurança Interna, Rede Siresp e alguns serviços partilhados, sobrando migalhas nesta medida para execução pela PSP.
Mas não se pense que no novo quadro de investimento para o período 2022-2026[2], para o qual foram anunciados mais de 600 milhões de euros, com grande parte da verba a ser transferida da anterior lei de programação (cerca de 200 milhões), estamos muito melhores, mantendo-se os crónicos e velhos problemas de execução, com níveis de execução ainda mais baixos que os verificados no anterior quadro plurianual.
Concluímos portanto que este modelo de gestão, que em tese teria todas as condições para dar certo, não está a funcionar, deixando que muito do investimento fique por fazer. Se queremos verdadeiramente assegurar a prossecução deste compromisso, para que não seja apenas mais uma vontade que embeleza discursos, é importante que se façam um investimento nas equipas da Secretaria-Geral do MAI, composta na sua maioria por polícias da PSP e militares da GNR retirados das forças (mas também nas equipas das próprias forças), e, à semelhança do que aconteceu com a equipa de acompanhamento do PRR[3] (onde estão também previstas algumas verbas para as Forças de Segurança), se faça um reforço de recursos humanos qualificados almejando-se uma melhoria significativa das taxas de execução, para além de, como já tínhamos referido, ser necessário assegurar que a transição de verbas esteja salvaguardada em todas as rúbricas, isto para evitar que se verifiquem concursos no âmbito das Tecnologias de Informação, aquisição de veículos ou equipamento (como as taser ou as bodycams), que não vejam a luz do dia.
Importa ainda destacar que, caso se conseguisse executar a totalidade dos 607 milhões previstos na Lei, 23%, isto é, 139 milhões corresponderiam a receita do IVA e portanto, regressariam aos cofres do Estado.
Para além da melhoria substancial das condições salariais, este é um (o) caminho que deve ser trilhado para que asseguremos um futuro digno às Forças de Segurança e todos os profissionais que nela trabalham a favor da segurança pública do Nosso país.
[1] https://ec.europa.eu/eurostat/statistics-explained/index.php?title=Government_expenditure_on_public_order_and_safety
[2] https://www.portugal.gov.pt/pt/gc23/comunicacao/comunicado?i=programacao-dos-investimentos-na-modernizacao-e-operacionalidade-das-forcas-e-servicos-de-seguranca-para-2022-2026
[3] https://www.apdc.pt/noticias/atualidade-nacional/governo-determina-reforco-da-equipa-que-gere-o-prr