Casas frias. Um problema de saúde sério

Casas frias são muitas vezes sinónimo de problemas de saúde. Os internamentos aumentam e o frio mata. Especialistas explicam os riscos a curto e a longo prazo.

Em Portugal, umas das principais causas de morte no inverno são o frio e as gripes. Ainda que sejamos um país de clima temperado, muitas casas não estão preparadas para invernos mais rigorosos e os problemas de saúde decorrentes desses fatores têm aumentado.

Os dados são alarmantes: a associação ambientalista Zero já tinha alertado que o frio nas casas é responsável por 25% das mortes no inverno e dados do Instituto Ricardo Jorge dizem que, por exemplo nas últimas semanas do ano passado e nas primeiras deste morreram em Portugal mais 3.624 pessoas do que o esperado. Uma altura que está relacionada com a edpidemia da gripe. Além disso, segundo a E3G e National Energy Action (NEA), Portugal é o segundo país em 30 com mais excesso de mortalidade no inverno.

Uma enfermeira especialista da área da pneumologia diz que é preciso ter em conta que “o frio em si não provoca doenças, mas pode agravá-las”, acrescentando que, no inverno “as casas mais frias levam a um aumento da humidade e consequentemente a acumulação de bolor. O sistema respiratório é o mais afetado e o risco de pneumonia acresce”. É que bolores e humidades trazem muitos problemas para a saúde como, por exemplo, reações alérgicas, problemas respiratórios, infeções, dores de cabeça, fadiga, entre outros.

Por sua vez, Ricardo Almendra, professor na Universidade de Coimbra e investigador no Centro de Estudos em Geografia e Ordenamento do Território (CEGOT), diz que “a exposição a temperaturas adversas (frio e calor) está associada a um stress biológico acrescido”. O especialista explica ao i que “para manter a temperatura adequada, o nosso corpo desencadeia uma série de processos que, em última instância, se traduzem num esforço acrescido”. E recorda que vários estudos, até em Portugal, “indicam-nos que a exposição ao frio é frequentemente associada ao aumento da mortalidade e morbilidade por doenças do sistema circulatório e respiratório, mesmo a hipotermia sendo uma situação residual”.

Se pensarmos em longo prazo, diz Ricardo Almendra, “e atendendo a que provavelmente as pessoas que estão expostas ao frio excessivo estão também expostas ao calor em excesso, verifica-se uma degradação progressiva da capacidade de resposta térmica destas pessoas, o que as coloca em posição mais frágil para ultrapassarem o próximo evento”.

Além disto, “quando a exposição ao frio acontece nas habitações, é frequentemente referido o impacto que esta exposição tem na saúde mental dos indivíduos, na redução da interação social e da utilização de locais públicos”.

E acrescenta o especialista que os fenómenos do excesso de mortalidade no inverno e da mortalidade atribuível ao frio “não são exclusivos de Portugal, apesar de Portugal se destacar entre os países da Europa pelos valores elevados. Curiosamente os países do Norte da Europa tendem a apresentar valores inferiores”.

Quando estamos expostos ao frio, explica a enfermeira da área da pneumologia, existe “uma diminuição da temperatura corporal o que leva a uma redução de resposta do nosso sistema imunitário, podendo provocar, como referido anteriormente, doenças respiratórias. Em casos de frio extremo, pode baixar a temperatura do corpo abaixo dos 35º, podendo causar hipotermia”.

Mais internamentos hospitalares

A mesma fonte refere ainda que há mais pessoas a ir parar ao hospital nestas alturas de temperaturas baixas. “As doenças respiratórias, como a gripe, pneumonias, advêm do frio. E neste contexto, os SUG e, consequentemente, os internamentos têm sempre uma procura maior”.

Opinião que é partilhada por Ricardo Almendra. “Há um aumento significativo dos internamentos hospitalares durante o inverno, sendo este mais intenso nos grupos etários mais avançados”. É um fenómeno que, lembra, se repete ano após ano, na maior parte dos países da Europa (em magnitude diferente), “e que representa não apenas a exposição ao frio, mas resulta também do comportamento dos vírus sazonais e da fragilidade biológica dos indivíduos”. Frequentemente, continua, “as pessoas estão expostas ao frio nas suas próprias habitações, em virtude de várias condições, como o custo do aquecimento, o isolamento deficitário, a opção por roupas desadequadas ou até o não reconhecimento do frio enquanto um fator de risco”, sendo ainda importante referir que “a exposição ao frio pode acontecer em qualquer local, nos locais de trabalho, na escola, nos espaços de lazer, etc”.

Desempenho energético

Questionado sobre qual a temperatura ideal para o interior de uma habitação, o investigador recorda que a Organização Mundial de Saúde diz que deverão ser 18 graus mas “a norma europeia para o desempenho energético de edifícios apresenta valores à volta dos 21ºC, para edifícios residenciais”. No entanto, diz ser importante ter em consideração “vários outros aspetos relativos à qualidade do ambiente interior, para além da temperatura, que são igualmente importantes para a saúde humana. Por exemplo, para manter uma determinada temperatura interior muitas famílias poderão abdicar de arejar a casa, pondo em causa a qualidade do ar nas suas habitações”.

Neste tema, adianta Ricardo Almendra, “é ainda relevante referir que a expectativa térmica é diferente de indivíduo para indivíduo, tendo em conta os seus contextos culturais”. Em Portugal, por exemplo, “temos, genericamente, uma expectativa térmica, no inverno, que não corresponde ao necessário para garantir que não há uma exposição ao frio”.

E os grupos de risco?

“Devido à sua fragilidade social e biológica”, os cidadãos com mais idade estão no topo do grupo de risco. No entanto, o professor da Universidade de Coimbra defende que “estará em risco acrescido qualquer individuo que se apresente numa situação de fragilidade social e/ou biológica, em virtude de uma exposição prolongada ao longo da sua vida, de uma menor capacidade de modificarem o ambiente térmico das suas casas e por apresentarem consequências mais graves dessa exposição”.

O especialista lembra os resultados do Inquérito Europeu ao Rendimento e às Condições de Vida que revelam que Portugal “é, consistentemente, um dos países da Europa com maior percentagem de pessoas a reportarem incapacidade de manter a casas quente durante o inverno”. Em 2023, “a percentagem de indivíduos que reportavam viverem em casas demasiado frias durante o inverno era de 37% em Portugal, o segundo país com valores mais elevados da Europa”.

Ricardo Almendra destaca ainda que “este fenómeno tem obviamente uma clivagem social, sendo muito mais frequente entre as populações economicamente mais frágeis”. Apesar disso, “é importante destacar que, segundo um estudo de 2019, a prevalência de pessoas que não conseguem manter a casas quente durante o inverno entre os 20% mais ricos em Portugal é superior à mesma prevalência entre os 20% mais pobres na Suécia, Luxemburgo, Noruega, Finlândia, Islândia e Suíça”.

Na sua opinião, há três pontos importantes a retirar daqui: “Há desigualdades entre os países da Europa, no que se refere à exposição ao frio; há desigualdades importantes e injustas em Portugal e há uma generalização da exposição ao frio em Portugal”.

Não se morre do frio, morre-se da solução?

Quando as casas estão muito frias, é comum recorrer-se a soluções de aquecimento como lareiras – para quem as tem – ou aquecedores, por exemplo. Mas também nem todas as soluções de aquecimento são boas para a saúde. E Ricardo Almendra não tem dúvidas: “Há riscos que decorrem da utilização desadequada de sistemas de aquecimento ou da adaptação de alternativas, como a utilização do forno da cozinha como sistema de aquecimento”, acrescentando que a temperatura “é um elemento da qualidade do ambiente interior, há outros elementos, como referi, que não podem ser ignorados. A qualidade do ar é muitas vezes prejudicada pela utilização de alguns sistemas de aquecimento; a humidade pode atingir níveis demasiado baixos; contrastes térmicos muito marcados entre divisões”, lembrando que todos os anos a comunicação social alerta “para acidentes decorrentes da utilização de lareiras e braseiras; estes acidentes variam na gravidade, desde incêndios, intoxicações, queimaduras, etc”.