Foi na passada terça feira, 12 de novembro, precisamente no dia em que se completaram 20 anos sobre a primeira nomeação de Durão Barroso para presidente da Comissão Europeia, que um grupo de nomes sonantes se juntou na capital sede das principais instituições europeias, para comemorar a data.
A ideia de celebrar o aniversário da escolha do primeiro português a presidir aos destinos europeus partiu de João Valle de Almeida, antigo chefe de gabinete de Barroso. O evento foi preparado com cuidado e com recomendações do próprio: todos os colaboradores deveriam ser convidados, do motorista aos seguranças aos que exerceram funções no gabinete. Durão Barroso pediu também que os convites se alargassem a membros do parlamento e comissão atuais, e não só aos que exerceram funções no passado.
No cocktail, que decorreu num ambiente «inclusivo, simpático e divertido», segundo o próprio, estiveram presentes António Costa, Roberta Metsola, Eliza Ferreira, Maria Luís Albuquerque, vários comissários em funções e ex comissários que acompanharam Barroso nos dez anos em que exerceu funções.
20 anos depois continua a apostar no consenso
A presença de António Costa, a poucos dias de tomar posse como presidente do Conselho Europeu, foi das mais valorizadas no encontro, que serviu sobretudo para confraternização, mas que também teve discursos.
João Valle de Almeida foi o primeiro a discursar, mas também Durão Barroso se dirigiu aos presentes, discursos descontraídos que até tiveram direito a piadas sobre o atraso com que António Costa chegou à festa.
Questionado pelo Nascer do SOL sobre o significado do encontro, 20 anos depois, Durão Barroso sublinhou a importância do consenso europeu que continua a dominar os dois principais partidos, PSD e PS, «nós tivemos pessoas dos dois principais partidos: estava a Maria Luís Albuquerque, mas também estava a ainda comissária Elisa Ferreira, a atual presidente do Parlamento Europeu, Roberta Metsola, e o futuro presidente do Conselho Europeu, António Costa», sublinhou Durão Barroso.
Barroso deu ordens para eleger Vitorino
A história dos acontecimentos que em 2004 levaram o então primeiro-ministro português à presidência da Comissão Europeia tem ainda muito por contar. Os que estiveram nos bastidores desta decisão ainda mantêm reserva sobre alguns detalhes da decisão, que remetem para memórias futuras.
Mário David foi um dos homens que acompanharam todos os passos. O antigo eurodeputado do PSD foi convidado para ser assessor político de Durão Barroso, quando este venceu as eleições em 2002. «Na altura estávamos a trabalhar a sério na candidatura de Vitorino», recorda este .
«Naquele tempo, antes dos conselhos europeus, havia três jantares importantes: o dos primeiros-ministros, o dos ministros dos Negócios Estrangeiros e o dos secretários de estado dos Assuntos Europeus. No jantar de março, os secretários de estado fizeram uma votação informal sobre quem seria o futuro Presidente da Comissão e o resultado foi favorável a Vitorino», recorda Mário David, colaborador próximo de Durão Barroso entre março e junho de 2004.
Mas tudo mudou em maio, também num jantar, desta vez de primeiros-ministros. O encontro antecedia a Cimeira de Dublin que abria a União Europeia a 10 novos estados membros. Nesse jantar, Jean-Claude Juncker abriu as intervenções com uma declaração incisiva: «Vamos acabar com a brincadeira, o lugar (de Presidente da Comissão), é para um de nós que temos a maioria no Conselho». O primeiro-ministro luxemburguês referia-se ao facto de que o PPE dominava o Conselho Europeu.
Nessa mesma intervenção, Juncker colocou-se de fora da corrida, afirmando que teria eleições em junho e que já tinha prometido aos eleitores que não sairia do país. Mário David recorda-se que depois do Conselho Europeu, já no aeroporto, Juncker pegou no braço de Barroso e disse-lhe: «Zé Manel não te esqueças, is for one of us».
O antigo assessor de Barroso recorda que tudo mudou muito rapidamente a partir dessa cimeira de maio. Depois da declaração de Juncker – que «seguramente sabia da votação que os secretários de estado tinham feito em março» – o nome de António Vitorino, que já ocupava um lugar na Comissão e que parecia consensual entre os vários estados membros, começou a perder força.
Apesar de se ter dado conta da mudança de tendência, Durão Barroso continuou a pedir aos seus mais próximos colaboradores para continuarem a apostar na eleição do socialista português. Mas «o jogo tinha mudado muito rapidamente».
Nesta altura os rumores sobre a mudança de ventos começaram a surgir na imprensa, e o nome de Durão Barroso começou a surgir como hipótese. Conta-nos Mário David que as menções ao nome do primeiro-ministro português davam nota de uma tendência que se tornava cada vez mais clara, de tal forma que quando o tema se veio a colocar, já tinha havido grande ponderação nos gabinetes de São Bento.
«Quando o nome de Barroso foi colocado em cima da mesa no Conselho de junho, ele respondeu: ‘Tenho um compromisso no meu país de propor o nome de António Vitorino’». O compromisso foi cumprido, mas à mesa do Conselho já havia consenso noutro sentido. A escolha incidia sobre Durão Barroso, que veio efetivamente a ocupar o lugar até 2014.
Do alargamento à crise financeira
Quando assumiu a presidência da Comissão Europeia, em 2004, a União Europeia passava por uma grande expansão com a entrada de 10 novos países, incluindo várias nações do antigo bloco soviético, crescendo de 15 para 25 membros.
Foi neste contexto que Durão Barroso assumiu a missão de gerir uma Comissão que, além de representar uma Europa mais ampla, enfrentava a complexidade de integrar economias muito diversas. Mas os desafios no seu mandato europeu não ficaram por aqui.
Durante a crise financeira de 2008, Durão Barroso teve um papel central na resposta europeia ao colapso do sistema financeiro global. Enquanto presidente da Comissão Europeia, Durão Barroso defendeu medidas rigorosas, incluindo pacotes de austeridade, reformas fiscais, e programas de resgate financeiro em parceria com o BCE e o FMI.
Se para alguns estas políticas foram essenciais para evitar o colapso, outros lembram que impuseram sacrifícios pesados, especialmente às economias mais fragilizadas do sul da Europa, como Portugal, Espanha, Grécia e Itália.
Foi ainda sob a sua liderança que a União Europeia conseguiu aprovar o Tratado de Lisboa, em vigor desde 2009, que estabeleceu mudanças fundamentais, incluindo a criação do cargo de presidente do Conselho Europeu, que vai agora ser ocupado por António Costa.