ONG apela a investigação sobre viagens de políticos de extrema-direita da UE a gala de Trump

A denúncia feita pela Transparência Internacional destaca os laços entre o movimento MAGA (Make America Great Again) de Donald Trump e a extrema-direita europeia.

A organização não-governamental Transparência Internacional pediu à União Europeia a abertura de uma investigação sobre cinco eurodeputados de extrema-direita, suspeitos de não terem declarado despesas relacionadas com uma viagem à gala de Nova Iorque organizada pelo New York Young Republican Club (NYYRC), em dezembro de 2023. A ONG alertou para a possível falha na declaração de custos de viagem e de bilhetes para o evento, que contou com a presença de Donald Trump.

A Transparência Internacional enviou uma carta ao órgão responsável pela conduta dos eurodeputados, solicitando a apuração dos factos e das possíveis infrações cometidas pelos políticos europeus. O caso envolve dois membros do partido Fidesz da Hungria, Kinga Gál e Ernő Schaller-Baross; o eurodeputado do partido Alternativa para a Alemanha (AfD), Maximilian Krah; a ex-presidente do município de Cascina, em Itália, e membro da Liga de extrema-direita, Susanna Ceccardi; e Harald Vilimsky, figura proeminente do partido austríaco de extrema-direita, Partido da Liberdade (FPÖ).

Em resposta ao The Guardian, quatro dos cinco eurodeputados – Gál, Schaller-Baross, Krah e Ceccardi – negaram qualquer irregularidade e afirmaram que os custos de viagem foram cobertos pelos seus partidos políticos, o Parlamento Europeu ou por recursos próprios, o que estaria dentro das normas. Vilimsky, por outro lado, não respondeu às perguntas do jornal britânico.

A denúncia feita pela Transparência Internacional destaca os laços entre o movimento MAGA (Make America Great Again) de Donald Trump e a extrema-direita europeia, que partilham uma oposição a instituições liberais, políticas ambientais e à imigração. Dois dos eurodeputados mencionados, Ceccardi e Vilimsky, são membros do NYYRC, embora tal não constitua uma violação das regras do Parlamento Europeu.

Todos os cinco eurodeputados foram fotografados na gala de 2023, onde o preço dos bilhetes variava entre 699 e 1.399 dólares (aproximadamente entre 662 e 1.326 euros), e os participantes puderam ouvir Trump num jantar de gala. O evento também contou com a presença de figuras de destaque da extrema-direita americana, como o ex-assessor de Trump, Steve Bannon, e o ex-advogado Rudy Giuliani.

Gál, que é co-líder do grupo Patriotas pela Europa no Parlamento Europeu, também está a ser investigada pela Transparência Internacional pela sua participação num evento do NYYRC em novembro de 2023, em Nova Iorque, intitulado ‘Viktor Orbán – Defender of Europe’. A ONG pediu que o comité de conduta do Parlamento Europeu investigue a origem dos fundos que pagaram a presença dos eurodeputados.

De acordo com Shari Hinds, responsável pela área de políticas na Transparência Internacional, “é fundamental que haja total transparência quanto à origem dos fundos [para viagens e eventos]”. A organização já solicitou ao Parlamento Europeu acesso a informações sobre as despesas de viagem dos eurodeputados, mas não encontrou registos de que essas despesas tivessem sido devidamente declaradas.

Sob o código de conduta do Parlamento Europeu, em vigor desde 2023, os eurodeputados são obrigados a declarar qualquer terceiro que cubra os custos da sua participação em eventos, incluindo viagem, alojamento e outras despesas. No entanto, há exceções para viagens financiadas por governos nacionais ou partidos políticos da UE, ou quando os próprios parlamentares arcam com as despesas.

Gál, por exemplo, afirmou que os custos da sua participação em ambos os eventos foram cobertos pelo seu partido, o Fidesz, e garantiu que a sua participação não teve qualquer vínculo com as suas funções de eurodeputada. Schaller-Baross explicou que foi convidado para o evento de 2023 como comissário ministerial do governo húngaro e que as despesas foram custeadas pelo gabinete do primeiro-ministro da Hungria.

Ceccardi, por sua vez, afirmou que a sua viagem foi financiada pelo grupo de extrema-direita Identidade e Democracia, embora a Transparência Internacional tenha revelado que não utilizou a verba adicional de viagem do Parlamento Europeu, que permite o reembolso de viagens ao estrangeiro não oficiais, durante o período de outubro a dezembro de 2023.

Krah afirmou que arcar com os custos do evento de 2023 e 2022 foi uma decisão pessoal e que pagou as despesas de viagem e o bilhete do próprio bolso. Um dos seus assistentes teria emprestado dinheiro para o pagamento do bilhete em 2023, já que Krah alegadamente se esqueceu do seu cartão de crédito, mas o valor foi posteriormente reembolsado.

A Transparência Internacional recorreu ao comité de conduta do Parlamento Europeu, que é responsável por investigar violações do código de conduta e recomendar ações. O comité, que trabalha de maneira confidencial, deverá reunir-se nas próximas semanas para avaliar as denúncias.

Que outros casos foram detetados nos últimos anos?

Já houve outros casos que envolveram eurodeputados ou políticos de outros países que levantaram questões sobre a transparência financeira e a declaração de despesas, principalmente relacionadas com viagens ou eventos financiados por terceiros. Por exemplo, o Qatargate (2022-2023) foi talvez o escândalo mais famoso e de grande repercussão envolvendo eurodeputados. No final de 2022, as autoridades belgas e italianas realizaram uma série de investigações e detenções após descobrir que membros do Parlamento Europeu estavam envolvidos num esquema de corrupção relacionado com o governo do Qatar.

Acreditava-se que vários eurodeputados, incluindo figuras de destaque como Eva Kaili (então vice-presidente do Parlamento Europeu), receberam subornos em dinheiro e presentes luxuosos para influenciar decisões e promover os interesses do Qatar dentro da União Europeia, especialmente na área do desporto e dos direitos humanos. Este caso gerou grande controvérsia e levou a uma revisão das regras de transparência no Parlamento Europeu, incluindo a obrigatoriedade de declarar com mais rigor as despesas de viagens e os financiadores de eventos. O escândalo também resultou numa pressão maior por parte da opinião pública e organizações de transparência para reforçar o controlo da forma como os políticos lidam com financiamento externo.

Anteriormente, em 2019, fora revelado que vários eurodeputados, principalmente membros de grupos políticos pró-China, participaram em viagens ao país financiadas por organizações ligadas ao governo chinês. Estes passeios, embora legais, levantaram questões sobre o grau de influência que o regime chinês poderia exercer sobre as decisões do Parlamento Europeu. As viagens foram criticadas por serem uma forma de ‘lobbying’ disfarçado, uma vez que muitos dos eurodeputados que participaram nessas viagens não declararam adequadamente os custos associados.

Embora não se trate especificamente de viagens, o escândalo que envolve passaportes dourados (ou seja, a venda de cidadania e vistos de residência a investidores estrangeiros) também trouxe à tona questões sobre a falta de transparência nos processos de concessão de privilégios a indivíduos ricos, incluindo políticos e as suas conexões com regimes autoritários. Vários membros do Parlamento Europeu estavam envolvidos em debates sobre a legalidade e a ética desses programas, especialmente depois de ter surgido a alegação de que algumas dessas vendas estavam a ser usadas como formas de corrupção e influência política.

Embora menos frequentemente discutidos, também surgiram vários casos de financiamento questionável de partidos políticos ou campanhas eleitorais, especialmente em países com partidos de extrema-direita, como no caso de alguns eurodeputados de grupos como o Identidade e Democracia ou o Grupo dos Conservadores e Reformistas Europeus (ECR). A falta de transparência na origem dos fundos para campanhas políticas e para atividades de lobby tem sido um tema recorrente em várias investigações oficiais e, também, jornalísticas.