A antiga ministra da Justiça, Francisca Van Dunem, assegurou que o processo de atribuição de nacionalidade às gémeas luso-brasileiras tratadas no Hospital de Santa Maria ocorreu “por direito” e sem qualquer intervenção direta do filho do Presidente da República ou de outras entidades. Em resposta escrita ao PSD, disponível no site do Parlamento, a antiga governante destacou que o caso não envolveu um processo de naturalização, mas sim uma “mera atribuição de nacionalidade a quem tinha, à nascença, por direito, em virtude de ser filho de mãe portuguesa”.
Van Dunem informou que o processo seguiu os trâmites normais e durou quatro meses, sem que o seu gabinete tivesse sido solicitado para qualquer intervenção. Relativamente à emissão dos cartões de cidadão das crianças, que demorou 14 dias, a ex-ministra considerou que “esse prazo é razoável”, lembrando que, segundo o Instituto dos Registos e Notariado (IRN), o tempo médio para concluir o processo era, à época, de 10 dias.
A antiga ministra declarou desconhecer qualquer interferência, assegurando que nunca foi contactada por membros do Governo, da Presidência da República ou outras entidades públicas. “Nunca a Casa Civil da Presidência da República ou o senhor Presidente da República, diretamente, ou por interposta pessoa, me abordaram sobre este caso”, afirmou, acrescentando que “não tem conhecimento de qualquer situação que se possa configurar como interferência ou tentativa de interferência de agentes internos ou externos à Administração Pública portuguesa”.
Van Dunem referiu ainda, ao ser questionada pelo Chega sobre as diligências realizadas, que confirmou junto do seu gabinete a “inexistência de quaisquer contactos internos ou externos relacionados com este processo”. Em resposta ao PAN, explicou que os “gabinetes ministeriais não acompanham este tipo de processos” de atribuição de nacionalidade, uma posição também reiterada ao CDS-PP ao garantir que o seu gabinete “não recebeu qualquer comunicação a solicitar urgência”.
Sobre a possibilidade de irregularidades nos consulados portugueses no Brasil, a ex-ministra afirmou não ter conhecimento de “empresas privadas que monopolizam os agendamentos”. Para além disso, assegurou que não tomou iniciativas para apurar possíveis irregularidades no Consulado ou no IRN, dado que, à época, “não tinha já poderes para o fazer de forma útil”.
IGAS ordena auditoria ao Infarmed sobre utilização do medicamento Zolgensma
Num desdobramento relacionado com o caso, a Inspeção-Geral das Atividades em Saúde (IGAS) revelou que o Infarmed foi a única entidade que não cumpriu as recomendações para os pedidos de autorização de utilização excecional do medicamento Zolgensma, um dos mais caros do mundo. Segundo a auditoria da IGAS, o pedido para tratar as gémeas chegou ao Infarmed por e-mail, em vez de ser submetido pela plataforma eletrónica SIATS, procedimento obrigatório para avaliação de medicamentos.
A IGAS concluiu que o pedido foi avaliado antes de ser inserido na plataforma, contrariando as normas. “Os pedidos de autorização única excecional não seguiram o circuito de aprovação e validação, uma vez que foram remetidos por e-mail ao Infarmed em 29 de fevereiro de 2020, e avaliados pela perita em momento anterior à sua submissão no SIATS, que apenas ocorreu em 2 de março de 2020”, detalha o relatório.
Embora o Hospital Santa Maria e o Ministério da Saúde tenham implementado as recomendações da IGAS, o Infarmed ainda não demonstrou ter adotado medidas para cumprir as indicações. Em resposta, o Infarmed assegurou que os procedimentos estão “em plena consonância com a recomendação da IGAS”, explicando que contactos prévios por e-mail ou telefone ocorrem apenas em situações de urgência, sendo seguidos pelo registo no sistema formal.
A auditoria agora ordenada pela IGAS deverá abranger todos os processos e não apenas este medicamento específico.
Presidente do Infarmed também garantiu ausência de interferências no caso
O presidente do Infarmed, Rui Santos Ivo, afirmou, em setembro, que os pedidos para acesso ao medicamento Zolgensma foram avaliados de forma simultânea e isenta, sem qualquer interferência externa. “Os pedidos foram avaliados em simultâneo em moldes totalmente equivalentes face à informação subjacente a cada um”, garantiu o dirigente, reforçando que as análises foram conduzidas exclusivamente por peritos técnicos. Rui Santos Ivo negou ter discutido o processo com o ex-secretário de Estado da Saúde António Lacerda Sales, com Nuno Rebelo de Sousa, filho do Presidente da República, ou com o Ministério da Saúde.
O responsável explicou que é habitual o Infarmed receber questionamentos sobre medicamentos, tanto de instituições públicas quanto de cidadãos. No entanto, esclareceu que o ‘email’ recebido pela Secretaria-Geral do Ministério da Saúde, que chegou antes de um contacto formal do Hospital de Santa Maria, não influenciou a decisão. “Fê-lo mesmo antes de ter qualquer contacto com o próprio hospital. Julgo que o contacto do hospital ocorre duas semanas depois”, mencionou.
Os pedidos, apresentados nos dias 2 e 3 de março de 2020, foram identificados inicialmente pelo Hospital de Santa Maria a 29 de fevereiro. O Infarmed levou três meses para responder ao pai das crianças, segundo Rui Santos Ivo. Destacou que a análise dos casos clínicos cabe exclusivamente aos peritos técnicos, que encaminham os pareceres ao Conselho Diretivo para a decisão final.
Aos deputados, o presidente do Infarmed reafirmou que a autorização do uso do Zolgensma depende de avaliações individuais baseadas nas necessidades específicas de cada doente. “Não estamos a falar de uma avaliação em abstrato, mas de uma avaliação em concreto para aquele doente”, esclareceu. Além disso, reiterou que nunca sofreu pressões externas durante o processo: “Não tive nenhuma pressão sobre essa autorização seja de quem for”.
Comissão Parlamentar de Inquérito ao caso suspensa durante debate orçamental
A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) ao caso das gémeas luso-brasileiras encontra-se suspensa entre 30 de outubro e 2 de dezembro, devido ao debate do Orçamento do Estado para 2025. As audições de Augusto Santos Silva, ex-ministro dos Negócios Estrangeiros, e de Victor Almeida, então diretor da Lusíadas Saúde, realizaram-se antes da suspensão.
À semelhança de Francisca Van Dunem, o antigo ministro Manuel Pizarro e o antigo primeiro-ministro António Costa responderão por escrito às questões colocadas pela comissão. As respostas de Costa deverão ser entregues até 25 de novembro.
As investigações e audições serão retomadas após o encerramento do debate orçamental.