Foi no Bairro do Zambujal que D. Rui Valério, patriarca de Lisboa, pode ter encontrado um novo discípulo para a Igreja. Chama-se Giovanni, tem um sorriso largo e um olhar que não sossega. Na semana em que se deram os distúrbios da morte de Odair Moniz, D. Rui contactou o Centro Consolação e Vida, onde três missionários da Consolata desenvolvem a sua missão junto daquele bairro, e disponibilizou-se a fazer uma visita. Mas o ambiente não era o mais indicado para uma visita de um patriarca e a data encontrada foi o passado dia 17 de novembro, domingo, Dia Mundial do Pobres, que foi instituído pelo Papa Francisco em 2017.
A celebração da Eucaristia não foi numa Igreja com sinos ou com uma torre mais alta do que os prédios que a rodeiam, também não foi solene, nem envolta em aparato. O local escolhido foi o Centro Social que fica no rés-do-chão de um prédio igual a todos, com roupa pendurada a secar no andar de cima. Uma mesa corrida a fazer de altar e cadeiras de plástico em fila numa sala de teto baixo, serviram para o patriarca de Lisboa celebrar a missa. Uma clara maioria feminina vestida a preceito para a ocasião respondeu ao convite do padre José Matias, responsável pela comunidade cristã do Zambujal. O missionário esclareceu os jornalista presentes, para que não restassem dúvidas, de que a sede da paróquia não era aquele centro, «esta comunidade é uma ‘sucursal’ da Paróquia da Buraca», começou por dizer antes de passar a palavra ao patriarca.
A homilia foi sobre esperança e foi no tema da esperança que Giovanni brilhou. D. Rui escolheu como plateia as crianças da catequese que compunham o coro. «O mundo de amanhã vai ser melhor ao mundo do passado ou ao mundo de hoje?», perguntou à plateia. A resposta surgiu automática, mas do ‘sim’ que saiu em uníssono da boca das crianças, destoou o pragmatismo do miúdo de 11 anos: «Depende». Mais à frente, dissertando sobre os excluídos, D. Rui teve de explicar o que quer dizer excluídos: «Esse mundo belo e bonito é aquele onde ninguém é excluído por não ter lar ou dinheiro ou porque é de uma etnia qualquer e só por isso é lançado para margem, fica de fora». Giovanni, mais uma vez, provoca risos na plateia ao exclamar alto e em bom som que «isso não faz sentido». D. Rui decretou-lhe então o destino: «Giovanni, vais ser teólogo. Pelo menos vais ser padre, tens vocação para isso».
Obra social da Igreja em números
A atividade de intervenção social da Igreja no Patriarcado de Lisboa é feita a partir da ação de diversas entidades algumas tuteladas diretamente pelo Patriarcado em áreas que vão da primeira infância à velhice, deficiência e cuidados hospitalares, toxicodependência ou ajuda alimentar, reclusos e ex-reclusos, sem-abrigo ou imigrantes. Ou seja, os mais necessitados. Estas respostas dividem-se pelas paróquias, pelos centros sociais paroquiais – em que o funcionamento independente da paróquia -, pelas misericórdias, por movimentos ligados à Igreja e congregações religiosas como é caso do centro social do Zambujal onde D. Rui celebrou a missa de domingo no Dia Mundial dos Pobres. O que têm em comum todas estas ações é serem feitas nas próprias comunidades numa lógica de proximidade. Segundo dados disponibilizados pelo Patriarcado ao Nascer do SOL são tutelados pela Igreja 72 centros que servem 8.271 utentes; em oferta de creches , jardins de infância e escolas primárias existem 185 para 1.672 crianças. Para a terceira idade, em respostas de centros de dia e de convívio assim como programas de férias, contabilizam-se 211 centros que servem 6.348 idosos. Além de 77 lares para idosos, doentes crónicos ou deficientes onde vivem 5.518. O apoio domiciliário está distribuído por 145 centros e respondem às necessidades de 7.198 utentes. São ainda 858.985 as refeições servidas e distribuídas por 192 centros. No que diz respeito a cuidados médicos, o Patriarcado tutela 11 hospitais que servem 5.267 doentes e presta cuidados em ambulatório, dispensário e Centros de HIV através de oito centros a 197.494 pessoas. Farmácias sociais são 73 que servem 42.216 utentes. Tem ainda seis orfanatos e centros para tutela da infância que acolhem 205 crianças. Por fim, existem cinco centros para vítimas de violências e recuperação de toxicodependentes que respondem às necessidades de 1.185 utentes.
Braço direito do Estado
As necessidades estão a crescer principalmente em respostas de base como creches, principalmente nas cidades, disse ao Nascer do SOL o diretor do departamento da Pastoral Sócio-Caritativa, Manuel Girão. Além disso, regista-se maior procura em apoios sociais, ou seja, pagamento de água, aquecimento e luz «onde se nota um grande aumento de pedidos», refere. «Começamos a sentir cada vez mais pedidos de ajuda da chamada classe média devido ao aumento dos custos de habitação, que é o grande flagelo e coloca as famílias em vulnerabilidade». Os imigrantes são a nova realidade que «começa a bater à porta». «Hoje em dia servimos comunidades que não eram tipicamente as comunidades cristãs que apoiávamos, em ajuda alimentar, para tratar dos processos burocráticos de documentação ou da habitação». A juntar a isto está «uma maior tensão social porque cada vez há mais jovens sem perspetiva de futuro, que não trabalham nem estudam, e tentamos encontrar programas para os enquadrar». Estes centros, são cada vez mais «o braço direito do Estado em matéria de intervenção social». O grande desafio é a mudança do paradigma do beneficiário, que está a obrigar as instituições a se readaptarem . A boa notícia, segundo Manuel Girão, é que são entidades com 500 ou 100 anos que já passaram por desafios maiores. A esperança, essa, é a de D. Rui Valério explicada a Giovanni.