O novo Centro de Arte Moderna

Assisti em 1983 à construção do antigo Centro de Arte Moderna da Gulbenkian, um projeto do famoso arquiteto inglês sir Leslie Martin. Esse edifício foi agora inteiramente reformulado, segundo um projeto do arquiteto japonês Kengo Kuma. A reconstrução resultou? Valeu a pena?

Uma obra de arquitetura, sobretudo quando é única – quando não se trata de um bloco anódino de apartamentos ou de um conjunto de edifícios para fins específicos –, deve ter por trás de si ‘uma ideia’. Uma ideia original que orientará todo o processo criativo. Uma ideia que conferirá ao edifício uma ‘identidade’ própria.
A título de exemplo, refiro uma obra do arquiteto Manuel Tainha, com quem trabalhei. Por volta de 1980, recebeu uma encomenda da Beralt Tin and Wolfram, uma empresa inglesa do setor mineiro, para fazer o pavilhão das Minas da Panasqueira na exposição da Covilhã.
E qual foi a ideia que lhe surgiu? Reproduzir ali o ambiente de uma mina. Literalmente. Assim, o pavilhão era totalmente enterrado. A entrada e a saída eram iguais às galerias das minas, e a meio do percurso havia dois salões redondos, com abóbadas em forma de calote esférica, também subterrâneos e de dimensões diferentes.
Por fora, à flor do solo, só se viam emergir duas elevações, como dois pequenos seios, correspondentes à parte superior das abóbadas das salas, tendo no centro (no lugar onde seriam os mamilos) dois pequenos lanternins por onde entrava a luz natural. No exterior, não se via mais nada.
Mesmo que a execução da obra não fosse perfeita, e que um ou outro elemento não resultasse, a ideia estava lá: e valia por si. Era uma obra única, que não se confundia com nada e não se esquecia.
Após o incêndio no Chiado, quando vi o projeto do arquiteto Siza Vieira, que no essencial reconstruía o que tinha sido destruído, pensei que eu faria outra coisa. As catástrofes têm um lado positivo: são oportunidades para executar em zonas antigas o que sem elas nunca se faria.
Ora, qual seria a minha ideia para o Chiado? Cobriria aquelas ruas com uma grande abóbada de vidro, tornando a zona um grande centro comercial ao ar livre – que no tempo mais quente ou mais frio poderia ser climatizado.
Pelas suas características, o Chiado já era um centro comercial, embora integrado na cidade e a céu aberto. Então seria só aproveitar-lhe a vocação e torná-lo mais cómodo para os clientes, protegendo-os da chuva e dos excessos de calor ou de frio. Para termos uma ideia, as ruas Garrett, do Carmo e Nova do Almada transformar-se-iam numa galeria Vittorio Emanuele de Milão, em ponto maior.
Falo em tudo isto para comentar o novo Centro de Arte Moderna da Gulbenkian. Assisti à construção do antigo, em 1983, um projeto do famoso arquiteto inglês sir Leslie Martin. Esse edifício foi agora inteiramente reformulado, segundo um projeto do arquiteto japonês Kengo Kuma. O pretexto foi a extensão para Sul do famoso jardim projetado por Ribeiro Telles em 1969.
Ora, o que se fez? Pegou-se no edifício anterior, aproveitou-se a parede em socalcos virada a Norte, e, para a zona do novo jardim, imaginou-se uma gigantesca pala, forrada de madeira por dentro e de cerâmico por fora, que parece metal.
A reconstrução resultou? Valeu a pena? A meu ver, não. A pala voltada a Sul parece que vai desabar sobre quem circula por baixo. Não proporciona calma nem tranquilidade. Assusta. Atemoriza. E vista de fora não é nada bonita. O melhor de tudo ainda é o revestimento interior de madeira, mas que é estragado pela forma.
Perante aquilo, pensei: o que faria eu neste caso? E a resposta ocorreu-me quase de chofre: faria um edifício elevado no ar, um paralelepípedo de cristal ou de betão, assente em pilotis, deixando o chão livre para passar a luz e a natureza por baixo.
Isto seria ‘uma ideia’. Marcaria uma intenção que ficaria clara, mesmo que a execução não fosse perfeita. O novo edifício não se imporia, distinguir-se-ia pela leveza, pairaria no espaço, não formaria uma barreira. Permitiria que o velho jardim se fundisse com o novo, sem interrupção. Reforçaria o primado do jardim, que na sede da Gulbenkian é talvez o elemento mais marcante do conjunto.
Repito: isto compreender-se-ia. O que lá está é uma amálgama cuja intenção não é percetível e que, do ponto de vista arquitetónico, não se distingue nem pela ideia nem pela beleza.