Alunos do 8.º ano perderam dois anos de aprendizagem

Portugal já não é um caso de sucesso na aprendizagem da Matemática e é agora um exemplo de como se pode piorar. Avaliação internacional revela que estamos a cair a pique desde 2015 e que a culpa não é da pandemia mas sim de opções políticas.

Os alunos portugueses continuam em queda acentuada nas avaliações internacionais em Matemática. Uma tendência que se tem vindo a registar desde 2015 em todos os domínios. Quarta-feira foi publicado o relatório do TIMSS –Trends in International Mathematics and Science Study 2023, a avaliação internacional do desempenho dos alunos do 4.º e do 8.º anos de escolaridade em Matemática e Ciências. Este estudo é realizado de quatro em quatro anos e tem como finalidade aferir o desempenho dos alunos e os contextos em que estes aprendem. Portugal participou pela quinta vez na avaliação dos alunos do 4.º ano e pela segunda vez consecutiva na avaliação do 8.º ano.

Os resultados são um reflexo de pelo menos os quatro anos de escolaridade que antecederam o estudo. Ou seja, em relação ao 4.º ano, foram avaliados os alunos que frequentaram o 1.º ciclo entre 2019 e 2023; do 8.º ano, foram aferidas as competências dos que iniciaram o 2.º ciclo em 2019 e concluíram o 8.º em 2023. Os resultados são considerados preocupantes, apesar de previsíveis por vários analistas e representantes de associações ligados ao ensino. Uma vez que esta pioria tem vindo a acontecer desde 2015, quando se deu a inversão a tendência da melhoria verificada até esse ano e por não terem sido tomadas medidas que travassem a queda. O fim das avaliações externas, o estabelecimento das Aprendizagens Essenciais e a pandemia, que não teve resposta em medidas de recuperação de aprendizagens eficazes, são as causas apontadas. Estancar esta tendência, que está a deixar para trás os alunos que nos últimos oito anos frequentaram os três primeiros ciclos de ensino, é um dos grandes desafios na Educação.

Uma realidade preocupante
Os alunos portugueses do 4.º ano de escolaridade alcançaram uma pontuação de 517 pontos a Matemática e de 511 pontos a Ciências. Entre os 58 países, Portugal encontra-se no 26.º lugar a Matemática e 29.º a Ciências. Em Matemática os alunos do 4.º ano alcançaram uma pontuação acima da média internacional (503 pontos), mais 14 pontos. No entanto, o resultado de 2023 «representa uma descida significativa de oito pontos, face ao ciclo do TIMSS de 2019», lê-se no relatório. Portugal passou do 20.º lugar em 2019 para o 26.º em 2023. Uma tendência que já vinha desde 2015, onde tinha registado 541 pontos e a 13.ª posição no ranking internacional. «A tendência é de crescimento até ao ciclo de 2015, no entanto, nos últimos dois ciclos (2019 e 2023) a tendência é de decréscimo». Outro indicador relevante é a proporção de alunos nos diferentes níveis de desempenho. Se a tendência entre 1995 e 2015 foi de aumento da percentagem de alunos a não alcançar, sequer, o nível baixo de desempenho, essa tendência voltou a registar-se neste ciclo, em que 9% dos alunos não consegue desempenho mais baixo. Mais um aumento face a 2019 (5%) e a 2015 (3%).


Quanto ao 8.º ano, esta é a segunda vez que Portugal participa na avaliação destes alunos permitindo assim fazer um comparativo. Os alunos portugueses alcançaram uma pontuação de 475 pontos a Matemática e de 506 pontos a Ciências, ocupando 26.º lugar a Matemática e o 17.º a Ciências. «O resultado de 2023 representa uma descida, estatisticamente significativa, de 25 pontos, face ao ciclo de 2019». No último ciclo, os alunos portugueses ocuparam o 18.º lugar no ranking internacional com 500 pontos. O que, segundo João Marôco, investigador e professor catedrático em Análise Estatística, representa a perda de dois anos letivos de aprendizagem, uma vez que estes alunos já tinham perdido um ano com a descida do 4º ano.

Este resultado é também refletido na percentagem de alunos que não conseguiu atingir pelo menos o nível de desempenho baixo: 10%. Ao nível intermédio só chegaram 49%. A análise mostra ainda que entre 2019 e 2023 houve uma diminuição na proporção de alunos que alcançaram os diferentes níveis de desempenho. Destaca-se o nível de desempenho baixo: um em cada cinco alunos não atingiu este nível. Ou seja, não conseguem ler gráficos ou tabelas simples.

Outra evidência é a que revela que os valores atingidos a Matemática e a Ciências aumentam com o aumento do estatuto socioeconómico, sendo que aqueles que pertencem ao mais elevado tendem a ter melhores resultados. A diferença, essa, tem aumentado. No 4.º ano o gap entre os alunos de estatuto socioeconómico elevado e os alunos de estatuto socioeconómico baixo é de 79 pontos, Já no 8.º ano, essa diferença é 91 pontos. A mesma diferença regista-se entre os alunos do ensino privado e público. No privado, o desempenho dos alunos do 4.º ano a Matemática é de mais 46 pontos do que os seus colegas do ensino público e no 8.º ano, os alunos que frequentam escolas privadas, pontuaram mais 72 pontos a Matemática.

Para Joaquim Pinto, da Associação de Professores de Matemática estes resultados «estão em linha com o que aconteceu em quase todo o mundo, não há aí nada de especial». Segundo este professor, são uma consequência das alterações feitas na altura do ministro Nuno Crato entre 2013 e 2015 «que tornaram os planos de Matemática muito formalistas e que levaram a quedas sucessivas». As introduções feitas depois «não aparecem imediatamente», defende. São elas as aprendizagens essenciais que só em 2021 vieram substituir as metas estabelecidas pelo Governo de Passos Coelho.


O que é preciso agora é que «nos deem tempo para pôr em prática o que é preconizado nas novas aprendizagens essenciais, que é um ensino por tarefas, valorização do raciocínio, a resolução de problemas, o uso sistemático de tecnologia. Isso vai trazer os seus frutos conforme todos os estudos científicos e empíricos têm mostrado». Joaquim Pinto afirma que outro eixo fundamental para quebrar este ciclo é «o acompanhamento aos professores que estão a lecionar no terreno e que deve ser retomado e que acabou com Nuno Crato». Quanto a alterações nos currículo, é um tema que está fora de questão e garante que tem esse compromisso do Governo. «Não se vai mexer num currículo que começou agora».

Para Isabel Hormingo, da Sociedade Portuguesa da Matemática, a pioria dos resultados do 8.º ano em 25 pontos «não encontra paralelo entre os restantes países europeus» e que as quedas não se podem atribuir à pandemia «uma vez que não estão em linha com as variações observadas na maioria dos outros países». Outro sinal de alarme é o fato de estarmos «progressivamente a aumentar o número de alunos sem conhecimentos mínimos», tanto no 8.º como no 4.º ano. Para a SPM as causas para esta tendência negativa na aprendizagem da Matemática são as decisões políticas como «a abolição de provas finais de 4.º e 6.º ano, mudanças curriculares radicais que desvalorizam o conhecimento, a interrupção de horas de crédito nas escolas – que dificultaram o apoio a estudantes com dificuldades – do apoio ao estudo obrigatório e a suspensão da avaliação de manuais escolares a meio de ciclos avaliativos». Não tem qualquer dúvida de quem é a responsabilidade. «Em todos os estudos PISA e TIMSS, após 2015, (cinco estudos) verificámos tombos, a avaliação sobre as políticas dos últimos 9 anos já está feita».

Para reverter a tendência de decréscimo reclama «um currículo rico em conhecimento, uma avaliação externa nos finais de ciclo que implique responsabilização dos alunos, um apoio eficiente aos alunos, uma avaliação de manuais escolares eficaz», garante.