A estada de Joe Biden na Sala Oval está a chegar ao fim. Donald Trump será empossado como Presidente dos Estados Unidos no dia 20 de janeiro de 2025, mas o período de transição está a ser marcado por vários acontecimentos importantes. Da luz verde a Volodymyr Zelensky para utilizar os mísseis ATACM ao aumento de influência no continente africano, passando pelo perdão ao seu próprio filho, Biden está a queimar os últimos cartuchos do mandato que começou em janeiro de 2021.
A autorização dada a Kiev para atacar território russo fez soar os alarmes de uma escalada nuclear e chegou a ser vista como uma tentativa de minar o caminho para a paz que Trump prometeu percorrer. Para já, tudo parece inalterado. A demora na decisão permitiu aos russos colocar os alvos fora do alcance dos ucranianos e nem a utilização de um novo míssil russo, o Oreshnik, faz alterar de forma significativa o panorama do conflito, mesmo que os países nórdicos se tenham começado a preparar para a eventualidade de uma guerra a larga escala. Resta saber qual será a abordagem da nova administração Trump, cujo secretário de Estado tem sido um fervoroso apoiante da causa ucraniana, face ao conflito que se arrasta há quase três anos.
Mas esta semana trouxe novos acontecimentos na política americana que são merecedores de análise. O primeiro, e mais polémico, tem que ver com o perdão presidencial que o Presidente cessante concedeu ao seu próprio filho, Hunter Biden. O segundo, já numa dimensão exterior, é o do investimento americano em infraestruturas angolanas, um reflexo da importância que o continente africano assume no tabuleiro geopolítico atual, onde as grandes potências se digladiam para estabelecer, e aumentar, a sua influência.
Um perdão imperdoável
No domingo passado, Joe Biden decidiu perdoar o seu filho. Uma decisão controversa que caiu como uma bomba na política americana, até mesmo no Partido Democrata. Hunter Biden, o segundo filho do Presidente, estava prestes a conhecer as sentenças dos crimes em que estava envolvido. Declarou-se culpado de todas as acusações, «incluindo três crimes e seis delitos fiscais», como anunciou o Departamento de Justiça americano num comunicado em setembro. A sentença relativa a este caso estava marcada para o próximo dia 16.
Ainda segundo o comunicado, Hunter Biden poderia enfrentar uma pena de prisão máxima de 17 anos por estar envolvido «num esquema de quatro anos em que optou por não pagar, pelo menos, 1,4 milhões de dólares em impostos federais autoliquidados que devia relativamente aos anos fiscais de 2016 a 2019 e por evitar a liquidação de impostos relativos ao ano fiscal de 2018 quando apresentou declarações falsas». O filho de Joe Biden seria também condenado por ter mentido no formulário requerido aquando da aquisição de um revólver em 2018.
O Presidente americano voltou atrás na promessa de que não concederia o perdão ao seu filho, falhando na missão à qual se propôs: restabelecer a confiança dos americanos nas instituições democráticas e no Estado de Direito. Biden colocou a família à frente do Estado e a decisão, mesmo tendo em conta o passado familiar profundamente infeliz, suscitou críticas transversais aos dois maiores partidos do sistema americano.
Jared Polis, Governador democrata do Colorado, acredita que foi aberto «um mau precedente que poderá ser utilizado de forma abusiva por Presidentes posteriores e que, infelizmente, manchará a sua reputação». «Ninguém está acima da lei, nem um Presidente, nem o filho de um Presidente», concluiu numa publicação na rede social X.
Para Gavin Newsom, governador democrata da Califórnia, o perdão pode perceber-se quando avaliado num prisma pessoal, mas não numa dimensão política: «Com tudo o que o presidente e a sua família têm passado, compreendo perfeitamente o instinto de proteger Hunter, mas eu acreditei na palavra do Presidente. Por isso, por definição, estou desiludido e não posso apoiar a decisão», declarou ao Politicoum dos mais fiéis apoiantes de Biden. Também Joe Walsh, ex-membro da Câmara dos Representantes pelo Partido Republicano e um dos críticos de Donald Trump no seio do Partido, acredita que o perdão «é apenas uma desilusão para aqueles de nós que andam há alguns anos a gritar sobre a ameaça que Trump representa. ‘Ninguém está acima da lei’, temos estado a gritar. Bem, Joe Biden acabou de deixar claro que o seu filho Hunter está acima da lei».
O perdão concedido a Hunter Biden vem na sequência da nomeação polémica de Charles Kushner para servir como embaixador americano em Paris. Kushner é o sogro da filha do Presidente-eleito, e a quem lhe tinha sido concedido um perdão presidencial durante o primeiro mandato de Trump.
Trata-se de decisões que em nada abonam ao Estado de Direito e que minam a confiança nas instituições na democracia mais famosa do mundo. O legado de Joe Biden, que já estava marcado pela eclosão de conflitos armados em várias geografias, pela imigração descontrolada e pelo aumento generalizado do custo de vida, ganha mais uma mancha.
A nova luta por África
O continente africano continua a ser alvo de cobiça das grandes potências. Durante vários séculos, os movimentos coloniais espalharam-se um pouco por todo o continente, numa luta incessante por recursos naturais e ganância territorial. Hoje, o objetivo dos países poderosos já não é o mesmo, mas enquadra-se numa perspetiva de esferas de influência num continente que continua a representar um papel fundamental nos tabuleiro político-económico internacional.
A influência da China, o maior adversário geopolítico dos Estados Unidos, tem vindo a aumentar e alguns estudos, como é o caso do African Youth Survey levado a cabo pela Ichikowitz Family Foundation, apontam que a ação de Pequim é vista com bons olhos. A grande diferença entre a presença americana e chinesa é que «os EUA são vistos principalmente como um fornecedor de equipamentos de segurança. Não têm muito para oferecer em termos de desenvolvimento económico», diz o historiador Alden Young, citado pelo Responsible Statecraft em 2022. «Os chineses investem principalmente em infraestruturas. É difícil para os EUA assumirem um papel de liderança se não competirem em termos comerciais, culturais ou financeiros», conclui.
Por isto, a visita de Joe Biden a Angola na quarta-feira assume uma relevância acrescida. É a primeira vez que um Presidente americano empreende uma visita a solo angolano e o objetivo parece ser mitigar o problema anteriormente descrito. Nesta viagem, Biden assumiu o compromisso de investimento americano no Corredor do Lobito – um projeto de renovação ferroviária que liga a Zâmbia, o Congo e Angola –, avaliado em 2,8 mil milhões de dólares. Parece ser uma resposta à Nova Rota da Seda, o grande empreendimento chinês no exterior da última década.
A presença de Biden em Angola, que incluiu também a visita ao Museu da Escravatura, foi rodeada de um aparato securitário minucioso e apertado. Segundo o comunicado de imprensa do Governo Provincial de Benguela, várias artérias da cidade de Lobito foram cortadas e até «os funerais previstos para os Cemitérios da Catumbela e Luhongo» foram adiados em virtude da visita do Presidente americano. As medidas de segurança num evento de importância elevada para Angola não passaram, naturalmente, sem críticas.
Assim, Joe Biden vai queimando os últimos cartuchos da sua presidência, num momento em que se prepara para devolver as chaves da Casa Branca a Donald Trump. Entre várias polémicas, sendo a principal o declínio dos seus quadros físico e mental, a longa carreira política de Biden, que começou em 1970, vai chegando ao fim.