Um dos meus filhos entrou numa tristeza profunda quando percebeu que daqui a umas décadas, na melhor das hipóteses, eu já fui desta para melhor. Fez as contas e mergulhou numa nostalgia profunda que o levou a agarrar-se às minhas pernas e a chorar baixinho. Basicamente matou-me logo ali. Imaginou a sua vida sem a mãezinha e percebeu o incomensurável valor que tenho. Esqueceu-se das vezes em que o obriguei a arrumar o quarto, a tomar banho, a comer sopa ou o proibi de jogar videojogos, e apertou-me com toda a força e amor.
Senti-me tal como Tom Sawyer, comovido e lavado em lágrimas a assistir ao seu próprio velório. Este meu filho é daqueles que não gosta de dormir fora de casa, quanto mais dormir sem a garantia de que a mãe volta a casa. Já para os meus outros filhos sou uma geométrica caixa de multibanco que também domina as máquinas de lavar e sabe emparelhar meias. Estão mais preocupados com a vida deles do que com a minha morte. Tentei consola-lo, mas até eu mergulhei num desgosto perante a minha própria desgraça.
A tristeza dele, não a minha, foi sol de pouca dura. Durou apenas até ao momento em que ele realizou que podia e devia ter nascido mais cedo. Desabafou que achava uma injustiça não ter vindo ao mundo dez anos antes da data do seu nascimento, no mínimo, porque seriam mais dez anos que passaria na companhia da sua adorada mãe. A culpa, portanto, era minha. «Eu é que fico cá sem mãe», queixou-se. Já eu só morro e pronto. Azar. A lógica dele é que eu devia ter planeado tudo isto melhor: o nascimento dele e o meu envelhecimento fatal. Devia ter planeado o seu nascimento com sensibilidade e generosidade de forma a garantir que ele teria mãe até ficar velho caquético. Até lhe apetecer.
Os filhos culpam os pais de tudo e até de morrermos. Dizia Oscar Wilde, através do cínico Lord Henry Wotton no Retrato de Dorian Gray, «As crianças começam por amar os seus pais. Passado algum tempo, julgam-nos. Raramente, ou nunca, os perdoam». Este meu filho passou esta semana da fase “amar os pais”, segundo Wilde, para a fase do julgamento. Eu já tinha passado por isto várias vezes: tive filhos que me culparam por não serem bons alunos devido à minha insuficiente exigência; filhos que me criticaram por ter escolhido os desportos errados para eles praticarem apesar de ter escolhido exatamente aqueles que eles queriam; outros que me responsabilizam por não terem os hábitos de leitura que gostavam de ter, por não saberem inglês como nativos, pelo risco de ficarem carecas, de terem borbulhas, etc.. Os defeitos e as falhas deles, são minhas. Mas nunca ninguém me culpou pela certeza da minha morte, dos anos que lhe vão faltar de vida sem mim.
Há pais, como eu, que assumem as culpas e vivem entre ataques de fúria pela injustiça das acusações e o frenesim de corrigir todas as falhas em manobras esquizofrénicas que todos os dias antecipam o meu envelhecimento e, consequentemente, a morte. Depois há os outros, que invejo, que ignoram os julgamentos impiedosos dos filhos com a devida sobranceria. Resta-me carpir a minha morte anunciada e sofrida. Por ele, claro.