A imigração não é uma questão moral

A questão da imigração não é um problema moral, mas, antes, um problema de políticas públicas.

O debate um torno da imigração tende a decorrer no plano da moral. ‘Temos obrigação de acolher imigrantes porque fomos um país de emigrantes’. Ou, ‘os imigrantes vêm e roubam os nossos empregos e vivem à custa dos nossos impostos’. Ou, ainda, ‘os imigrantes violam as nossas mulheres’. Não é por acaso que as questões são colocadas nestes termos, de um bem ou mal absolutos. É assim, porque é útil a quem quer fazer da imigração uma alavanca para propostas políticas radicais de combate ao sistema liberal. De um lado, a instrumentalização do medo do outro, e a gritaria populista e securitária do controlo de fronteiras e do fechamento do país; do outro a anatemização de todos os que ousam levantar a questão como preconceituosos e racistas, sem pingo de humanidade e idiotas úteis da extrema direita.
Este plano de análise é errado e constitui uma armadilha que nos impede de pensar na migração económica (que é só dessa que falo aqui) racionalmente. Um terreno pantanoso onde apenas medram extremismos. Não é possível ser contra a imigração em absoluto, pois ninguém quererá privar o país da possibilidade de acolher um Einstein. Também me parece difícil ser a favor da imigração em absoluto, como um direito de todos os que nos queiram procurar e um nosso dever supremo de os acolher.
A imigração pode ser boa ou má, dependendo das circunstâncias. O nível certo de imigração varia ao longo do tempo: maior em certos períodos, menor noutros. A questão da imigração não é um problema moral, mas, antes, um problema de políticas públicas: que quantidade e que tipo (perfis profissionais, culturais e étnicos) de imigrantes são benéficos para o nosso país em cada circunstância e quais os melhores instrumentos para alcançar o nível e a composição desejados. Uma torneira que se abre mais ou fecha mais consoante o fluxo pretendido.
António Vitorino (AV), (insuspeito de direitismo e profundo conhecedor do tema), deu uma importante entrevista ao jornal Público onde deixou claros alguns dos elementos de um possível programa para a imigração. Destaco três pontos. Em primeiro, citando, «é muito importante que os países tenham uma política de imigração proporcionada às necessidades do mercado de trabalho (…), mas também proporcionado às capacidades de integração na sociedade de acolhimento». E, comento eu, este é o ponto em a quantidade se pode transformar em qualidade, pois a capacidade para integrar uns poucos milhares de imigrantes é uma coisa, enquanto que a capacidade para integrar fluxos da dimensão dos que levaram à duplicação do número de imigrantes registados em Portugal em seis anos outra, de natureza muito diferente. O segundo ponto que destaco é que, segundo AV, «o país devia ser proativo na procura dos imigrantes que são necessários» considerando, inclusive, «sistemas de formação profissional nos países de origem». E para combater a imigração ilegal, (que, digo eu, existindo políticas bem calibradas, deve ser reprimida robustamente), AV sugere que mais do que um problema de postos de fronteiras é uma questão de controlo pela autoridade para as condições de trabalho. Concorde-se ou não com estas propostas, é neste plano, no plano das políticas de imigração, que as ideias podem e devem ser frutuosamente esgrimidas.
Devemos abandonar a indignação moral. O primeiro dever de um estado nacional é para com os seus cidadãos. Logo, sendo algum nível de imigração necessário à prosperidade coletiva, deve-se procurar convergir para um programa de imigração norteado explícita e diretamente pelo benefício que ela pode trazer para os portugueses. António Vitorino apontou alguma pistas; antes dele Carlos Moedas também o havia feito. O que falta, então?