O risco de pobreza tem aumentado em Portugal nos últimos anos mas em 2023 inverteu essa tendência, de acordo com os mais recentes dados do Instituto Nacional de Estatística (INE). No entanto, é preciso ter em conta que esta situação apenas melhorou nos mais jovens. Para os idosos a situação é bem diferente e a pobreza entre esta faixa etária é a mais grave dos últimos 15 anos.
Este é um dado preocupante que o economista Eugénio Rosa tenta explicar ao Nascer do SOL. «Entre 2017 e 2023, passou de 16,4% para 23,9%, ou seja, um crescimento chocante de 45,7%, em grande parte, devido às baixíssimas pensões que os reformados recebem e que o duplo aumento tão propagandeado para 2025 não alterará», acusa.
Para Eugénio Rosa, «basta ter presente que estima-se que a pensão média de velhice atual seja 550 euros, logo o aumento que resulta da aplicação da lei é apenas 14,3 euros e o da proposta do PS é de 7,1 euros, portanto o aumento total na pensão de velhice média será apenas de 21,4 euros», enumera. Já no que diz respeito às pensões de invalidez, «cujo valor médio estimamos em 450 euros, o aumento total será apenas de 17,5 euros».
Feitas as contas, o economista diz não ter dúvidas que é «evidente que com aumentos desta dimensão a enorme pobreza que existe no país não diminuirá», defendendo ser «necessário e urgente alterar as leis que penalizam fortemente os pensionistas (fator de sustentabilidade que, em 2025, causará um corte de 16,9% nas novas pensões, e corte de 0,5% na pensão por cada mês que falte ao pensionista para atingir a idade normal de acesso à pensão que absurdamente não para de aumentar, em 2025 passará a ser 66 e 7 meses, mais 2 meses do que em 2024)». E defende ainda ser necessário alterar a lei que regula o aumento anual das pensões, «que não garante a todos os pensionistas, nem a manutenção do poder compra das suas baixas pensões».
Quem também não acredita que as pensões possam vir alterar muito o cenário atual é Luís Capucha, professor no ISCTE. Ao nosso jornal, diz que o aumento da pobreza nos mais velhos é um indicador «particularmente grave porque o Complemento Solidário para Idosos está a falhar na sua missão. Algo se está a passar de forma contrária aos objetivos da medida», defendendo que «se não se reforçarem as medidas de política – e neste campo é outra vez claro que não basta o apoio ao rendimento – então pouco irá mudar».
Questionado sobre se o aumento duplo das pensões para o próximo ano pode ou não ajudar na diminuição do risco de pobreza, Luís Capucha diz ser «possível» mas é uma «possibilidade ambivalente». E justifica: «Por um lado, o aumento das pensões é uma medida muito positiva com impacto numa fonte de rendimento que é estrutural. Por isso, é de saudar e esperar que se possa ir mais longe nos próximos anos», diz o professor. Mas, por outro lado, «o valor nominal do aumento das pensões, dado o valor muito baixo atual, terá um impacto real na vida das pessoas limitado. E continuará a verificar-se uma enorme carência noutras áreas para além do rendimento, como seja o acesso a equipamentos e serviços sociais e de saúde com um mínimo de qualidade».
Dados que não são considerados
Segundo os números do gabinete de estatística, cerca de 1,76 milhões de portugueses viviam com menos de 632 euros por mês em 2023. E Eugénio Rosa diz que é necessário chamar a atenção para a relatividade destes números. «Em 2023, o INE considerava como limiar da pobreza 7.588 euros, ou seja, 542 euros por mês (14 meses), e só quem estivesse abaixo deste valor era considerado pobre. Em 2024, estima-se que deverá ser 569 euros, um valor muito inferior ao salário mínimo nacional deste ano (820 euros) e pouco superior ao IAS [Indexante dos Apoios Sociais] que é de 509 euros». Com estes números, o economista questiona: «Como é que o INE estabeleceu este valor como limiar de pobreza?».
O economista explica: «Foi decidido que corresponde a 60% da mediana do rendimento, o que dá 1,7 milhões na pobreza, mas se fosse 70%, o número de pobres aumentaria para 2,5 milhões, segundo o próprio INE», diz, destacando que o gabinete estatístico considerava como pobre um indivíduo com um rendimento mensal de 540 euros, mas já não considerava se auferisse 550 euros por mês. «Certamente há muita gente na pobreza que não são considerados nestes números», acusa, atirando que «o que é importante a reter é que não há estudos concretos feitos em Portugal que diz que uma pessoa com rendimento superior ao limiar da pobreza não seja pobre. É um valor convencionado que se tem mantido ao longo dos anos, apesar da realidade se ter alterado muito».
Ainda assim, Eugénio Rosa diz que apesar das limitações nos valores, o INE fala numa realidade: há a persistência de uma elevada percentagem de pobres no nosso país. E isto acontece apesar de todos os apoios sociais que existem, «incluindo pensões já que a variação percentual é reduzida». «Há avanços e recuos, não diminuindo de uma forma continua. Contrariamente ao que afirma o INE, os subsídios de desemprego, doença e de incapacidade não estão a contribuir para diminuir a pobreza, talvez estejam a contribuir para que não aumente muito mais», defende o economista.
Uma outra conclusão que tira Eugénio Rosa é que «se calcularmos, como base no valor do limiar da pobreza, o valor correspondente a 100%, obtemos 933 euros que é o rendimento mediano. Isto significa que, em 2023, 50% da população tinha para viver um rendimento mensal inferior a 933 euros (14 meses) e outra metade tinha um rendimento superior, o que dá já uma ideia dos baixíssimos rendimentos auferidos por metade da população. Isto mostra a existência no nosso país a continuação de uma parte muito grande da população com rendimentos muito baixos (salários e pensões) que geram naturalmente uma enorme pobreza».
E detalha que, se se fizer uma análise mais minuciosa, «a principal causa da pobreza no nosso país é o desemprego», dando números: Em 2023, segundo o INE , 44,3% dos desempregados estavam na pobreza. «Isto deve-se à reduzida percentagem de desempregados a receber subsídio de desemprego (em outubro de 2024, apenas 38 em cada 100 desempregados recebiam subsídio de desemprego). Mesmo a população empregada, 9,2%, ou seja, 230 mil viviam abaixo do limiar da pobreza devido às baixíssimas remunerações auferidas».
Por sua vez, Luís Capucha recorda que a pobreza teve uma descida acentuada entre os anos 70 e a viragem do século, altura em «passou de valores em torno dos 40% para valores em torno dos 20%», acrescentando que «acompanhando muitos outros indicadores económicos e sociais, no século XXI o ritmo de decréscimo, com oscilações ligeiras, tem vindo a ser muito lento».
O professor do ISCTE adianta que o interesse deste indicador «reside no facto de permitir análises de evolução a longo prazo, mas não chega para caracterizar a situação da pobreza» uma vez que se trata «do indicador associado ao rendimento dos agregados, que não entra em linha de conta com as despesas e com as necessidades por satisfazer». E explica então que «se o rendimento aumenta um ponto, mas por exemplo a habitação aumenta dois pontos, esse ponto de aumento do rendimento pode fazer um agregado ficar acima do limiar de pobreza, mas as suas carências aumentaram», defendendo que existem outros indicadores mais completos, «mas também eles apontam para uma estagnação da incidência da pobreza em Portugal em números intoleravelmente altos».
Luís Capucha atira ainda que o risco de pobreza «seria quase o dobro sem as pensões e seria muito maior sem as transferências sociais», lembrando as «as políticas de proteção social são um dos principais fatores de proteção contra a pobreza – a par da educação e dos salários – e uma redução efetiva do fenómeno não pode deixar de exigir um significativo aumento da eficácia dessas políticas».