Quando decidi, em 2013, dedicar-me à política, tomei uma opção ponderada. O que me fez concorrer como independente à presidência da Câmara foi a vontade, partilhada por muitos que logo se juntaram ao projeto, de poder contribuir para melhorar a cidade do Porto.
Sabia do que teria de prescindir no plano pessoal, bem como dos riscos inerentes. Foi, em suma, uma decisão livre e consciente. Aliás, nunca me ouviram reclamar por as condições remuneratórias e o estúpido regime de exclusividade do cargo serem o que eram então, quando Portugal vivia uma crise orçamental. Aceitei as regras e as condições.
O que é surpreendente e revoltante é que, 12 anos depois – e num contexto muito diferente, com um escrutínio mais exigente -, os condicionalismos continuem a ser os mesmos. Ao invés, todas as outras corporações e classes profissionais – em particular as que dependem do Estado e têm os mesmos direitos e menos responsabilidades que os autarcas – viram as suas condições revistas e melhoradas de forma significativa.
A poucos meses de abandonar o cargo, esta é uma discussão em que não gostaria de me envolver. Ainda assim, sinto-me obrigado a deixar o meu testemunho. Até porque há muito quem pense, por falta de informação ou por adesão à inveja – essa última palavra de Os Lusíadas, que Camões registou como maldição -, que ser presidente de Câmara é um ‘tacho’.
Objetivamente, as condições remuneratórias são de tal forma desadequadas à função que só as posso definir como humilhantes, considerando a dimensão e a responsabilidade da empreitada. Pior do que a baixa remuneração é a obrigatoriedade de prescindir de metade dela, se resolver dar aulas à noite ou encontrar um trabalho complementar ao domingo.
Estas condições restritivas têm, mais cedo do que tarde, uma consequência: são poucas as pessoas sérias, preparadas e competentes que se vão apresentar às próximas eleições autárquicas. Admitindo que sejam sérias e competentes, ou já têm fortuna, ou estão preparadas para um sacrifício.
Ora, não devemos estar à mercê de quem faz um sacrifício. E também não devemos entregar o poder a quem tem uma agenda pessoal desligada da política, seja porque quer ‘orientar-se’, seja porque quer um qualquer ajuste de contas.
Enquanto cidadão, quero que o meu sucessor tenha ambição e rasgo. Que goste de política e tenha capacidade para implementar políticas. Que não queira o cargo para construir currículo político ou para satisfazer as suas obsessões. Que saiba construir equipas e que consiga mobilizar as ‘forças vivas’ da cidade. Que a saiba representar em fóruns internacionais, tenha autoridade para bater o pé aos poderes e não se sinta inibido pelas pressões diárias a que está sujeito.
Enquanto contribuinte, quero que aquele em quem deposito o meu tributo para ser redistribuído e para gerir o bem comum seja remunerado condignamente. Não quero que viva na aflição das contas por pagar, vendo sumir aquilo que tinha quando chegou à política. Não, a atividade política não pode estar a saldo.
Quem quer um regime democrático, escrutinado, sério, eficaz, competitivo, não pode ser miserabilista. Mas são os próprios partidos políticos que cultivam esse miserabilismo, porque imaginam que o povo agradece o ‘voto de pobreza’.
Não é verdade. Não é por isso – por os políticos se condenarem à indigência – que os invejosos deixarão de os invejar. No limite, o que esses querem ou merecem é ser governados por um ditadorzeco barato.
Em suma, a política não melhorará se as condições remuneratórias dos políticos forem revistas. Mas nunca melhorará se isso não suceder.