O caldo entornou na Roménia. Os eleitores foram chamados às urnas no passado dia 24 de novembro de modo a escolherem o seu próximo Presidente da República. O resultado caiu como uma bomba em Bucareste. Já se esperava que uma segunda volta seria inevitável, porém, o resultado não foi menos que surpreendente. Calin Georgescu, um professor relativamente pouco conhecido, sem qualquer filiação partidária e acusado de ser de extrema-direita pró-Rússia, venceu a primeira volta com 22,94% dos votos – quando as sondagens lhe atribuíam apenas 5% –, seguido pela candidata dos liberais União para Salvar a Roménia, Elena Lasconi.
Lasconi conseguiu arrecadar 19,17% dos votos, enquanto o atual primeiro-ministro e líder socialista Marcel Ciolacu ficou-se pelos 19,14%. Uma vantagem tangencial que colocava a liberal na segunda volta e desqualificava Ciolacu – um nome que estava, à partida, garantido na segunda volta. Dado o número tão escasso de votos que separava a segunda e o terceiro candidatos mais votadas, o Tribunal Constitucional romeno decidiu realizar uma recontagem, da qual os resultados saíram iguais, sendo posteriormente validados.
Ainda assim, no dia 6 de dezembro, a dois dias da segunda volta, o Tribunal Constitucional decidiu, por unanimidade, anular a primeira volta e reagendar outra eleição para o início de 2025. Uma decisão que não passou, naturalmente, sem controvérsia. «O processo eleitoral para eleger o Presidente da Roménia será totalmente repetido e o Governo estabelecerá uma nova data e calendário para as medidas necessárias», informou o TC da Roménia, através de um comunicado. A decisão foi tomada «para garantir a exatidão e a legalidade do processo eleitoral». A causa principal parece ter sido a influência russa no financiamento de uma campanha de desinformação levada a cabo por Georgescu, principalmente na rede social TikTok.
Ciolacu felicitou o veredicto, dizendo que era «a única decisão correta». Por sua vez, a candidata liberal avalia a situação como um «atropelo à democracia» e garante que «de um ponto de vista legal e legítimo, nove milhões de cidadãos romenos, tanto no país quanto na diáspora, expressaram a sua preferência por um determinado candidato. Não podemos ignorar a vontade deles». Num vídeo para a Realitatea TV, uma estação romena, Georgescu disse, no dia da decisão do Tribunal, que «o Estado romeno tomou a democracia e espezinhou-a. A decisão […] do CCR é mais do que uma controvérsia jurídica. É basicamente um golpe de Estado formalizado». «O Estado de Direito está em como induzido e a justiça, subordinada a ordens políticas, perdeu praticamente a sua essência, já não é justiça, é uma ordem», acusou.
De Bruxelas veio a inação, deixando «aos cidadãos romenos a decisão sobre o seu destino», declarou Paula Pinho, porta-voz da Comissão.
Num mundo em que as redes sociais ganham cada vez mais espaço nas estratégias de comunicação política, assistimos na Roménia ao primeiro caso de uma anulação de um ato eleitoral, a pedra angular da democracia, com base na conduta de um candidato numa plataforma digital. Estará aberta a caixa de Pandora?