A ANA Aeroportos já apresentou o relatório inicial sobre o desenvolvimento da capacidade aeroportuária de Lisboa, para que se possam iniciar formalmente as negociações sobre a extensão do contrato de concessão e a construção do novo aeroporto em Alcochete. Valores não se sabem e, claro está, a entrega do documento já está envolta em polémica e pedem-se mais esclarecimentos. Uma delas é a forma como o aeroporto será pago. O ministro das Infraestruturas, Miguel Pinto Luz, diz que não será tirado um cêntimo aos contribuintes para a construção do novo aeroporto Luís de Camões, que vai nascer em Alcochete, mas depois o ministro das Finanças lá atirou que talvez possa ter algum impacto para os portugueses, dizendo ter a expectativa de que os encargos para o Orçamento do Estado sejam «o mais limitados possível», no que à construção do novo aeroporto diz respeito.
Logo depois, os dois ministérios emitem um comunicado onde garantem que se mantém «a intenção do Governo de não onerar diretamente o Orçamento do Estado com a construção do aeroporto» e que o relatório da ANA «apresenta um cenário em que não há encargos diretos para os contribuintes, redobrando assim a convicção inicial do Executivo».
Polémica esclarecida, segue-se outra: o contrato de concessão com a ANA Aeroportos. É que, diz o relatório, a obra vai ser financiada através da alteração das taxas aeroportuárias e da extensão do prazo de concessão, que termina em 2062.
O Nascer do SOL apurou que há a tentativa de prolongar essa concessão por mais 25 anos mas a possibilidade de o fazer é questionável e muitos querem ver essa dúvida esclarecida. Pedro Castro, especialista em aviação, diz que é preciso «conhecer os termos concretos dessa extensão», que ainda não são conhecidos. Mas atira: «Uma coisa é certa: nenhum concessionário (ou seja uma entidade que, no final, não é dona da infraestrutura) vai construir um aeroporto de 9 mil milhões de euros grátis. Alguém vai ter de pagar esta fatura de alguma forma e esse alguém somos nós. Isto é a pura lógica das coisas», defende ao Nascer do SOL.
Pedro Castro diz que parece «que o Estado está a ‘chutar’ demasiados temas para renegociações com concessionários: este do aeroporto, mas também o caso da isenção de portagens das SCUTS», defendendo que «comprometer os orçamentos das gerações futuras com este tipo de extensões e de contratos de décadas deveria ser algo muito raro e muito bem enquadrado, não pode ser algo banalizado porque é algo que os políticos de hoje decidem com aquela facilidade de quem já não vai estar cá para ver… e para pagar».
É que o especialista parece não ter dúvidas que, qualquer que seja o desfecho, o contribuinte vai sair penalizado. «No final, podemos todos imaginar como este diferimento do momento de pagamento serve alguns interesses eleitoralistas imediatistas de aparente cumprimento de promessas e de garantia de voto em futuros atos eleitorais próximos, mas nada disso apagará a conta». Então, acrescenta, «qualquer que seja o cenário que os políticos nos ‘vendam’, é preciso percebermos que, sim, vamos ser nós a pagar e fazer essa conta. Iremos pagar ainda mais quando daqui a poucos anos nos disserem que a obra, afinal, é mais cara e vai levar mais tempo a terminar…e quando este tipo de aeroporto não corresponder à evolução tecnológica da mobilidade – aérea e não só – e à evolução regulamentar e fiscal do setor».
Pedro Castro explica ainda que a ANA-Vinci parte para este negociação em posição de força. E explica: «É, contratualmente, a entidade que deverá construir e gerir o futuro aeroporto da região de Lisboa e os seus acionistas (e a equipa de advogados e técnicos) irão defender afincadamente e com sabedoria os seus interesses», defendendo que «um Estado como o nosso não tem altura para este combate e, para além disso, fez a pior escolha possível: em vez de aproveitar a mudança governativa para revelar o enviesamento manifesto da Comissão Técnica que fez um trabalho que nunca seria publicado por nenhuma revista científica de renome e com uma série de estudos encomendados que desconsideraram elementos fundamentais do negócio, preferiu seguir a via ‘fácil’ e mais custosa para o país – financeira, ambiental e socioeconomicamente – de Alcochete». E finaliza com uma critica à Comissão Técnica Independente, dizendo que se errou «redondamente» na estimativa dos custos de construção. «Mas a fatura das más escolhas e dos erros de cálculo nunca serão estes decisores, nem a Comissão a pagá-la».
Também o ex-ministro social-democrata, Miguel Relvas atira: «O relatório tem que ser público pois o novo aeroporto não é do Governo e o Governo não é uma empresa privada». E vai mais longe ao defender que «quando está em causa uma infraestrutura desta natureza, deveria ser o próprio Governo e a entidade concessionária a ter o maior e primeiro interesse em ter tudo público», até porque «a omissão suscita a dúvida, a dúvida suscita a incerteza e a incerteza a especulação. E especulação e incerteza é tudo o que não queremos que acontece e é tudo o que o Governo devia evitar para que de uma vez por todas possamos avançar para a construção do novo aeroporto sem percalços estruturais que vem sempre do lado da decisão política». Miguel Relvas diz ainda que «a questão de não implicar peso orçamental e encargo para os contribuintes está por demonstrar, porque o que não é gasto pode também não ser receita», acrescentando que a «extensão do prazo de concessão é uma outorga de benefício público que garante ao concessionário receitas que suportarão o investimento. Isso significa que o Estado e os contribuintes prescindem de eventuais novas receitas para financiarem o novo aeroporto».
Partidos pedem esclarecimentos
Lembrando a importância do novo aeroporto e as «implicações significativas para a economia nacional» que um projeto destes acarreta, o PSapresentou um requerimento ao Governo onde diz que «as decisões que vierem a ser tomadas concretizarão compromissos financeiros e operacionais de longo prazo, pelo que devem ser o resultado de um processo transparente, participado e que sirva, inequivocamente, o interesse público», alertando que, na apresentação do relatório, «não foram divulgadas informações concretas sobre o seu conteúdo, apesar de ter sido partilhado que do mesmo consta, desde logo, uma estimativa preliminar dos custos e a forma de financiamento, bem como a proposta de duração e conclusão da construção». E, por isso, pede o envio pelo Governo à Assembleia da República do relatório inicial sobre o novo aeroporto, para que seja analisado.
Já o Chega vai propor a constituição de uma comissão eventual no parlamento para acompanhar a construção do novo aeroporto de Lisboa. O país não pode «continuar a ter o anúncio de grandes obras públicas sem qualquer escrutínio», defende André Ventura.
Pinto Luz defende que é importante «dar tempo ao tempo» e diz que Governo precisa de analisar o relatório.