As empresas que mais precisam de mão-de-obra imigrante têm até dia 23 para responder às propostas do Governo que sugere que para poderem contratar têm de apresentar um contrato, soluções de habitação, seguros de viagem e de saúde e formação. Sugestões que não agradam aos responsáveis de alguns setores ouvidos pelo Nascer do SOL. A opinião é unânime: é necessário encontrar uma solução, mas esta tem de ser articulada entre as empresas, o Governo central e as autarquias e recusam a ideia de assumirem a total responsabilidade. É certo que depois dessa data as reuniões vão continuar entre Executivo e patrões.
Ao nosso jornal, Luís Mira, secretário-geral da Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP), admite que «as empresas estão disponíveis, mas não é para assumir todas estas responsabilidades» e lembra que se há sítios em que é fácil encontrar soluções de habitação, noutras não o é, como é o caso do Algarve. «É tudo muito fácil de falar, mas é muito difícil e complicado de se executar. Alguns destes imigrantes nem inglês falam, outros têm carta de condução que nem sequer é reconhecida. Tudo isto tem custos, sem falar do tempo que demora. Nada disto tem uma solução imediata», acusa.
E vai mais longe: «Quando se fala em habitação, as pessoas pensam que é uma casa, mas não é essa a ideia. Só é viável se for tipo albergues, em que estão homens de um lado e mulheres do outro, já que são trabalhos sazonais e as pessoas não podem estar ali o ano inteiro». E dá o exemplo do que se passou em Odemira. «Houve um acordo, em que as empresas arranjavam mil camas e a autarquia mais não sei quantas, as empresas já arranjaram duas mil camas e a autarquia não arranjou nada. Isto mostra que estes entendimentos fazem-se mas depois na prática não avançam», salienta.
O secretário geral lamenta que a «proposta, tal como está, mostra o Estado a empurrar para as empresas todas as responsabilidades», e acena com o exemplo que já se vive em Huelva. «Este modelo está a ser aplicado em Huelva, em que a autarquia paga uma parte das despesas, as empresas pagam outras, mas há uma união de esforços para se encontrar uma solução. Isto não é gastar dinheiro porque se o Estado fizer isso dá capacidade às empresas para gerarem mais produção, permite arrecadar mais IVA, mais impostos, mais Segurança Social, mais tudo». E dá o exemplo do que se passou com a barragem de Alqueva. «O Alqueva custou ao Orçamento do Estado mil milhões de euros, mas nestes 25 anos o Estado já recebeu três mil milhões e se não for estes investimentos que geram mais riqueza as receitas do Estado nunca aumentam. Isto não é gastar dinheiro, é investir para mais tarde receber», diz.
Luís Mira continua nas acusações ao lembrar que a CAP já pediu ao Ministério da Agricultura para ceder as instalações que tem, mas que não usa e estão degradas para poderem ter como destino habitação para os trabalhadores sazonais.
Outra crítica feita por Luís Mira diz respeito à obrigatoriedade por parte das empresas em darem formação e afirma que essa responsabilidade deveria partir do Estado, uma vez que tem a seu cargo o Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP). «Existe o IEFP e têm de ser as empresas a dar formação? Com estas realidades que já conhecemos, o trabalhador imigrante fica um mês a aprender português e quem paga o salário desse mês? O trabalhador vive do ar ou é a empresa que suporta? Todas estas soluções têm um custo e, segundo esta proposta do Governo, é todo para a empresa. E até lá como é que uma pessoa pode ler uma indicação que vem num rótulo de um herbicida se não sabe português. À volta da mesa é tudo fácil mas depois concretizar é mais difícil», afirma.
De acordo com as contas do secretário-geral da CAP, o setor conta com 23 mil trabalhadores imigrantes, dos quais 40% são asiáticos, no entanto, admite que não é preciso atingir este número todos os anos. «Estimamos cerca de quatro a cinco mil por ano».
Construção aplaude mas deixa recados
Ao contrário das outras atividades, o setor da construção defende que, na generalidade, as medidas são positivas e diz que, muitas delas, correspondem a soluções há muito defendidas pela Associação dos Industriais da Construção Civil e Obras Públicas (AICCOPN), uma vez que entende que, tanto o setor como o país necessitam de mão-de-obra qualificada. E aí, a imigração poderá dar uma ajuda. «A falta de mão-de-obra é um problema estrutural decorrente de vários fatores, nomeadamente da crise demográfica que o país e a Europa atravessam, pelo que, no momento atual, a contratação de imigrantes é fundamental para mitigar este problema e para responder ao desafio de concretização do PRR [Plano de Recuperação e Resiliência]», revela ao Nascer do SOL, Manuel Reis Campos, presidente da CPCI e da AICCOPN.
De acordo com as contas do responsável, estão em falta cerca de 80 mil trabalhadores, daí defender que é necessário atuar também ao nível da promoção da formação profissional e da capacitação/qualificação dos trabalhadores nacionais, apoiando as empresas para este efeito, bem como apostar na reorientação da formação profissional tirando partido dos centros de formação de excelência do setor. «É uma oportunidade para o desenvolvimento da formação, para potenciar a atração de talento e a captação dos jovens, oferecer a possibilidade de reconversão dos desempregados e alinhar a oferta e a procura de trabalhadores», defendendo também que «é ainda essencial promover um matching entre a procura e a oferta de trabalho, já que não é razoável coexistirem fenómenos como o desemprego e a falta de recursos humanos nas empresas ou de mão-de-obra estrangeira disponível que poderá e deverá ser acolhida, preparada, qualificada e perfeitamente integrada no nosso país».
Face a este cenário, o responsável lembra que tem estado em diálogo com o Governo no sentido da criação de um programa de imigração específico e programado para o setor, nomeadamente para projetos como a construção das 59 mil casas e do TGV, «que engloba os procedimentos de legalização, a capacitação, o acolhimento, o alojamento e integração dos imigrantes». E, neste campo, Manuel Reis Campos acena com a proposta que sugeriu ao Governo que vai ao encontro de uma espécie de ‘via verde’ para empresas que tem como objetivo simplificar e desburocratizar a de obtenção de visto, «com a concentração numa única unidade que centralize todos os serviços necessários do Estado para a respetiva legalização dos imigrantes, abrangendo outros aspetos que consideramos essenciais, como a formação dos imigrantes e o seu acolhimento adequado».
Já em relação ao acolhimento e alojamento dessa mão-de-obra, o presidente da entidade defende que poderá passar pelas próprias empresas que demonstrem interesse e capacidade para esse efeito, assim como pelos centros protocolados do setor que poderão dar formação com base em programas desenhados pelas empresas em função dos projetos a desenvolver, «bem como o respetivo alojamento temporário a alocar a esses projetos, o qual deverá ser também integrado e articulado com os ‘Centros de Instalação Temporária’ do Estado que serão reforçados/alargados no âmbito do ‘Plano de Ação para as Migrações’ e com as soluções de acolhimento das câmaras municipais, designadamente por via dos Centros de ‘Acolhimento Municipal/Intermunicipal de Emergência para imigrantes’». E não hesita: «Tem de ser uma solução integrada com todos os intervenientes, já que a situação requer uma resposta robusta, integrada e urgente do Estado, com a participação e envolvimento das empresas e da sociedade em geral».
Formação no país de origem
Contas diferentes tem Albano Ribeiro, presidente do Sindicato da Construção de Portugal que aponta para necessidade de mais de 100 mil trabalhadores para o setor para responder às obras de ferrovia, rodovia, hospitais, escolas, habitação etc. No entanto, o responsável lamenta a falta de formação que caracteriza este mercado e diz que a solução para por dar uma resposta nos países de origem. «Mais de 60% dos trabalhadores que chegam a Portugal são trabalhadores que nunca trabalharam na construção e são indiferenciados, ou seja, são operatórios não qualificados e o que defendemos é que não podem chegar a Portugal sem ter essa formação. Têm de ser formados nos países de origem», diz ao nosso jornal, dando como exemplo, o que se passa na Mota-Engil que forma os trabalhadores em África e, por isso, já chegam ao nosso país como trabalhadores qualificados, tal como acontecia com a realidade portuguesa na década de 60/70/80. «Nessa altura, quando íamos para vários países da Europa chegávamos como operatórios qualificados».
E lembra que para avançar com uma obra é preciso ter 80% de operatórios qualificados. Um cenário que, de acordo com o mesmo, está bem longe da realidade e com a agravante de que muitos nem falam português. «Vêm muitos da América Latina, nomeadamente colombianos, venezuelanos, peruanos, assim como muitos indianos e brasileiros, mas com estes últimos o diálogo é bem mais fácil», salienta.
Albano Ribeiro também lamenta as condições de habitação em que muitos imigrantes vivem. «Muitos dormem nas obras. Antigamente havia casernas, agora estamos perante casernas subterrâneas, em que há sítios onde dormem 50 trabalhadores e pagam ao angariador que os trouxe por uma esponja de 15 cm onde dormem», acrescentando, que grandes obras como a do novo hospital de Lisboa vai exigir instalações sociais. Aliás, lembra que esta é uma obrigatoriedade para as empresas desde que tenham mais de 50 trabalhadores, estando previsto no contrato da construção.
Turismo lançado
Mais lançado está o setor do turismo que já em janeiro vai lançar o programa ‘Integrar Migrantes’ que terá um custo de 2,5 milhões de euros e será financiado pelo Turismo de Portugal. Ao todo vão ser abrangidos mil imigrantes e cada formando vai receber uma bolsa de 522 euros e 50 cêntimos por mês, o valor correspondente ao Indexante dos Apoios Sociais. Este projeto faz parte de um conjunto de 60 medidas anunciadas no verão pelo Governo para impulsionar a economia nacional. Como vai funcionar? Serão três meses de aulas teóricas, um mês de formação prática e integração imediata nas empresas. A formação vai incluir língua portuguesa e uma componente sociocultural para integração plena dos imigrantes. Depois caberá à Confederação do Turismo de Portugal identificar as empresas disponíveis para abrir estágios remunerados para estes trabalhadores.
Até que ponto as empresas são responsáveis?
A AHRESP considera que ainda é cedo «estar a tecer considerações relativamente a um tema sobre o qual podemos não ter ainda toda a informação e que nos suscitou muitas dúvidas, nomeadamente até que ponto as empresas serão responsáveis por determinados aspetos relativamente aos trabalhadores imigrantes, entre eles o caso da habitação», diz ao Nascer do SOL.
Segundo a secretária-geral da associação, Ana Jacinto, questões relativas a ‘garantia de casa’, ou condições da habitação do trabalhador imigrante «extravasam o âmbito de atuação, ou até a competência das entidades empregadoras, ou mesmo das entidades que as representam».
E lembra que atualmente já há empresas que garantem habitação aos seus trabalhadores, «e ainda bem, mas porque têm condições para tal, o que, infelizmente, não é a realidade da esmagadora maioria delas, em especial micro e pequenas empresas», referindo que «estas medidas estão incluídas numa intenção de colaboração entre entidades estatais e entidades empresariais, que advém do ‘Plano de Ação para as Migrações’, apresentado pelo Governo».
E face a este cenário não hesita: «Vamos aguardar até termos toda a informação e todas as nossas dúvidas esclarecidas, para depois então dialogarmos com as entidades com competências nesta matéria, e ver de que forma podemos contribuir para um recrutamento e uma contratação de trabalhadores que seja mais ágil, mais virada para as necessidades das empresas e que proporcione condições de trabalho e de vida que sejam dignas para estes trabalhadores».