As igrejas estão vazias, os padres parecem falar ao vento, os novos não sabem o que é a Missa do Galo e os mais velhos vão sendo deixados sozinhos apenas acompanhados pelas memórias de um Natal que já não existe, feito de tradições, excesso de açúcar, glúten e canções natalícias. O nascimento de Jesus quer dizer pouco a quase todos os que comemoram o nascimento de Jesus.
Dizem que é uma festa de família, uma época de paz e de partilha, a altura do ano em que se olha com caridade para todos os que vivem nas margens da sociedade. É suposto sermos todos melhores pessoas na semana do Natal, agradecer o que temos e dar aos outros aquilo que eles não têm. E cumpre-se tudo isto à risca. Perdemos horas e pequenas fortunas a comprar presentes para os outros, os calendários do advento marcam as boas ações que se deve fazer até dia 24, participamos em ações solidárias, peditórios, vendas de Natal de instituições sociais que se multiplicam em todos os lugares, cozinhamos para os outros, decoramos as nossas casas para os receber e deixamos o telemóvel por umas horas para ver um filme em família – um filme que não pode ser sórdido e que deve fazer rir ou chorar. Os postais foram substituídos por mensagens de WhatsApp, assim como as cartas pelas videochamadas, mas teimamos em desejar feliz Natal uns aos outros em pequenas declarações de amizade ou de amor. Organizamos jantares e encontros de Natal com amigos, colegas, familiares para nos vermos, rir e pôr as vidas em dia. Para não nos perdermos e não deixarmos ninguém esquecido. Ainda há as broas de que ninguém gosta ou os frutos no bolo rei que ninguém come porque seria disruptivo não as ter para podermos deixá-las na borda do prato. São pormenores com sentido absoluto que ninguém ousa sacrificar
Mais do que todas as festas do ano, o Natal é a festa por excelência – é o rei das festas. Demora a preparar, exige partilha e alegria. É uma dinâmica que se contagia, indiferente aos mr. Scrooge azedos, egoístas e sinistros que recolhem as cortinas e fecham as portadas à espera que a alegria passe. No Natal, ao contrário das outras festas, temos de dar. É esta a grande diferença. Temos mesmo de pensar nos outros ou entramos em contramão. Tanto assim é que damos mais importância aos presentes que oferecemos do que aos presentes que recebemos. É o mundo ao contrário: quem recebe tem de ter a humildade de saber receber, de agradecer e baixar a cabeça, sorrir e aceitar sair do seu pequeno mundo. A verdadeira alegria é para quem dá, que se preocupou em agradar, num exercício pouco frequente de empatia para perceber o que o outro precisa, o que gostava de ter e o que o faz sorrir.
Celebrar o nascimento de Jesus é isto. Com ou sem Missa do Galo, com ou sem celebrações, é essencialmente isto: oferecer e oferecer-nos. O Natal não é todos os dias, mas todos os dias deviam ser Natal: viver o presente, estar presente e dar presentes.