Tenho confessado várias vezes a minha ignorância em política internacional. Aliás, é ridículo falar-se, como as televisões fazem, em ‘comentador de política internacional’. O que é isso? No mundo há quase 200 países. Pode ser-se especialista em 200 realidades diferentes? Hoje vê-se um comentador passar da guerra na Ucrânia para a guerra em Gaza e daqui para a revolução na Síria. Ora, não é possível dominar todos estes assuntos. No tempo em que eu frequentava Paris, e lia diariamente o Le Monde, a sua rede de correspondentes era enorme – e o jornal publicava com regularidade extensos artigos sobre os EUA, sobre a URSS, sobre a China, sobre Israel, sobre este ou aquele país de África, sobre este ou aquele país da América Latina. Eram escritos por jornalistas que lá viviam, que conheciam bem os problemas locais e as nuances da sua política, e nos quais nós confiávamos. Sabíamos que eles sabiam do que falavam.
Ora, um comentador português que provavelmente nunca foi à Síria, que não acompanhou os assuntos na Síria, que não conhece por dentro a realidade síria, como pode falar do que lá se passa com conhecimento de causa? Não pode. Repete umas coisas que leu. A sua análise não resulta de uma observação e de uma reflexão pessoais – é uma súmula de opiniões alheias.
Repito: não percebo nada de política internacional nem é possível perceber. Tenho umas ideias gerais, algumas das quais – devo dizê-lo – me foram transmitidas pelo meu pai. Ele forneceu-me ferramentas importantes para perceber o marxismo e o comunismo (que aliás viveu por dentro), a riqueza e pobreza das nações, o nascimento do capitalismo. Essas ‘lições’ não eram dadas de uma forma doutoral. Surgiam em conversas informais. Mas ficaram-me para a vida.
Veio-me isto à memória quando, um destes dias, via uma pequena reportagem sobre os carros de Bashar al-Asssad. Eram dezenas ou centenas de veículos caríssimos. Uns blindados, outros de luxo – Lamborghinis, Ferraris, Rolls-Royces – e ainda uma coleção de carros clássicos. A jornalista estava escandalizada (e indignada) com o que via. Mas confesso que, para mim, aquilo não era surpresa – era uma confirmação.
Dizia o meu pai com frequência que uma característica dos países desenvolvidos é uma certa homogeneidade social. Ele na altura vivia na Holanda e constatava que um professor universitário e um operário não faziam vidas muito diferentes: abasteciam-se nos mesmos supermercados, iam às mesmas lojas, frequentavam até os mesmos espetáculos. E o primeiro-ministro, por exemplo, chegava à sede do Governo a guiar um carro utilitário. Ora, nos países subdesenvolvidos, passa-se exatamente o contrário. Há gigantescas diferenças sociais. Poucos têm carro ou têm carros velhos – mas os governantes e a pequena casta que os apoia vivem mergulhados no luxo. Têm frotas de carros caríssimos, aviões privados, palácios sumptuosos com mármores importados e torneiras de ouro.
E isto nada tem que ver com as riquezas naturais. Os holandeses, os suíços, os nórdicos, têm um alto nível de vida – e as suas riquezas naturais são escassas ou nulas. Em contrapartida, os países árabes têm petróleo, alguns países africanos têm ouro e diamantes, mas as suas populações vivem miseravelmente.
O caso de Assad não era uma exceção – era um paradigma.
E isto leva-nos a uma primeira conclusão: o desenvolvimento das nações não resulta dos seus recursos naturais. É mesmo contraditório com eles: temos países desenvolvidos com parcos recursos naturais, e países subdesenvolvidos com muitos.
Mas há uma segunda conclusão a tirar: o desenvolvimento também não resulta da qualidade do Governo mas da qualidade do povo. Isso é flagrante em Israel: os judeus chegaram a uma terra em que só havia areia e pedras, e onde a gente que lá habitava vivia miseravelmente, e fizeram dela um país desenvolvido. Outro exemplo, igualmente expressivo: as colonizações da América do Norte e da América do Sul. No Norte, os ingleses fizeram a nação mais poderosa do mundo; no Sul, os portugueses e espanhóis geraram nações cheias de problemas como o Brasil, a Argentina ou o México.
Julgo que não é preciso dizer mais para a ideia ficar clara.
Quando ouço falar com expectativa do que vai acontecer na Síria, confesso o meu ceticismo. É que isso não vai depender dos recursos, nem dos governantes (que não auguram, aliás, nada de bom), mas sim dos povos que habitam aquela região do mundo. Vimos o que se passou no Irão, onde muitos exultaram com o queda do Xá Reza Pahlavi e hoje é um inferno. Vimos o que se passou no Iraque. Assistimos à Primavera Árabe, à queda de Khadafi, e sabemos no que deu.
O desenvolvimento das nações depende do seu povo. Não depende nem das riquezas naturais nem dos governantes. Os governantes são uma consequência e não uma causa. São um reflexo do povo. Ora, o povo que habita a Síria não será muito diferente dos que vivem nos países que a rodeiam.
Síria, que destino?
O desenvolvimento das nações não depende nem das riquezas naturais nem dos governantes: depende do povo. É isso que a História nos ensina e os exemplos são inúmeros