Operação especial

Quando um político diz aos cidadãos: «Estejam tranquilos porque não há problema!», o que é que eles pensam? Que o político lhes está a deitar areia para os olhos, porque não quer fazer nada. Dos políticos esperam-se ações e não palavras.

A palavra ‘perceção’ entrou recentemente no vocabulário comum. E não me refiro ao vocabulário político: estou a pensar, por estranho que pareça, na meteorologia. Até há poucos anos, quando se falava em temperatura ambiente, falava-se em temperatura real, aquela que os termómetros marcavam. Mas agora, a par deste valor, surge outro: a ‘temperatura percecionada’. O modo como os cidadãos vão ‘sentir’ a temperatura que os termómetros marcam e que depende de outros fatores como o vento, a humidade, etc.
Para as pessoas, a temperatura real deixa de importar. O que lhes interessa é o que vão sentir – se frio, se calor, e em que grau.
Há muito pouco tempo, começou a falar-se em ‘perceções’ também a propósito da política. Por exemplo: embora os números não permitam dizer que há uma relação direta entre a imigração e a criminalidade, a maioria das pessoas tem a ‘perceção’ de que esta relação existe.
E aqui coloca-se a questão: o que deve fazer o político? Dar importância às perceções e agir em função delas – ou, pelo contrário, tentar contrariá-las, explicando ao cidadão que a sua perceção está errada?
Este dilema foi discutido ad nauseam a propósito da ‘operação especial’ que na semana passada a PSP levou a cabo em Lisboa, na zona do Martim Moniz.
Enquanto o primeiro-ministro falava em combater uma «perceção de insegurança», a oposição dizia que, se há uma perceção de insegurança, e se essa perceção não é baseada em factos, a obrigação do Governo é desmontá-la e não dar-lhe crédito. Agindo como se essa perceção fosse real, o Governo deu-lhe cobertura e potenciou-a.
Quem terá razão, no meio destas posições tão extremadas?
É preciso dizer que, embora utilizando outras palavras, esta questão é antiga.
Já Salazar dizia: «Em política, o que parece é».
Ou seja: não valia a pena os políticos darem muitas explicações, fazerem muitos esclarecimentos, pois o que contava era a perceção dos cidadãos. Se os cidadãos interpretavam de determinada maneira a ação de um político, era isso que valia – e não as suas intenções.
Julgo que tinha razão.
Os políticos têm de ter em conta as perceções das pessoas, e procurar dar-lhes resposta. Se as pessoas se sentem assustadas, com medo, não adianta nada dizer-lhes: «Estejam tranquilas porque não há problema!».
Quando um político diz isto aos cidadãos, o que é que estes pensam? Que lhes está a deitar areia para os olhos. Que não quer atuar, não quer fazer nada. É isto o que as pessoas pensam quando os políticos lhes dizem que um problema não existe.
Aliás, bastavam as opiniões dos portugueses moradores na zona, louvando a operação policial, para se perceber que o problema existe mesmo.
Portanto, o Governo fez bem em procurar responder à perceção de insegurança na zona.
É esta a primeira conclusão a tirar.
Mas Montenegro foi alvo de outra acusação: de tentar ‘roubar as bandeiras’ à extrema-direita (leia-se, ao Chega).
Será assim? E, se for, isso será condenável? Durante muitos anos critiquei a atitude de partidos do centro-direita como o PSD que, não enfrentando certos problemas que preocupavam as pessoas, entregavam de mão beijada à direita radical a sua exploração política. Toda a gente percebia, por exemplo, que a imigração iria tornar-se um dos grandes problemas da Europa neste século. Ora, o PSD (e mesmo o CDS) assobiavam para o ar. Nas penúltimas eleições europeias, Nuno Melo quis aflorar este tema, mas chamaram-lhe xenófobo, racista, fascista – e ele teve de bater rapidamente em retirada. Até há muito pouco tempo o tema era tabu. Aliás foi o Chega a tirá-lo do armário, tendo sido essa uma das molas do seu crescimento.
Outro dos objetivos da operação policial foi, obviamente, fazer uma prova da ‘autoridade do Estado’. Dizer que não pode haver nas cidades zonas tabu. E a questão da ‘autoridade’ foi outro dos temas que o centro-direita teve medo de abordar – e que a extrema-direita aproveitou com sucesso.
Faz, portanto, todo o sentido os partidos centrais tentarem dar resposta a problemas que os cidadãos valorizam e que a extrema-direita tem explorado. Se teimassem em ignorá-los, a direita mais dura continuaria a cavalgar o centro, como aliás tem acontecido pela Europa fora. Isto é claro como água.
Há uma última questão que importa esclarecer. Quando se diz que não há dados que provem uma relação entre a imigração e a criminalidade, isso é verdade. Mas é preciso ter em conta duas coisas.
Em primeiro lugar, as pessoas veem TV, assistem a atentados pela Europa fora praticados por radicais islâmicos, e estabelecem naturalmente uma ligação entre os imigrantes dessa zona e a atividade criminosa.
Em segundo lugar, não há dados que sustentem esta ideia também porque… não há dados sobre o assunto! Até há pouco tempo (não sei como é agora), as próprias autoridades estavam proibidas de registar nos relatórios a origem geográfica ou a etnia dos envolvidos em desacatos ou crimes. E os jornalistas estão impedidos de o escrever.
Portanto, se queremos ter dados fiáveis, para deles podermos tirar conclusões corretas, a primeira coisa a fazer é haver transparência. Com uma política de obscuridade, todas as suspeitas se tornam possíveis.