Portugal. Um ano fundamental
O exercício de antevisão do ano de 2024 foi arriscado. As alterações e disrupções geopolíticas foram imensas e a incerteza era um sentimento generalizado à entrada do ano passado. Mais de metade da população mundial foi às urnas – com destaque para as eleições americanas, britânicas e europeias – e as ameaças à segurança internacional, novas e antigas, eram substanciais. Chegou a temer-se uma Terceira Guerra Mundial, assistiu-se a uma nova desestabilização no Médio Oriente e o Ocidente continua a reunir esforços para fazer frente ao “Eixo da Revolta” – termo cunhado pelos analistas de relações internacionais Richard Fontaine e Andrea Kendall-Taylor para fazer referência ao eixo antiocidental composto pela China, Rússia, Irão e Coreia do Norte. E, claro, Donald Trump venceu as eleições e estará de volta à Casa Branca no próximo dia 20. Por tudo isto, fazer o mesmo exercício para 2025 não apresenta menos riscos.
Também o Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE) de Portugal, cujo enquadramento diplomático é especial, enfrentará desafios neste novo ano. Existem assuntos de importância maior aos quais Portugal não poderá ficar à margem, e a redefinição da estratégia diplomática portuguesa é algo impossível de ignorar, principalmente num mundo em ebulição. Na habitual mensagem de Ano Novo do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa deixou apelos de cariz internacional: «Precisamos que Portugal fique mais preparado para enfrentar as aceleradas mudanças na Europa e no mundo», frisando ainda que precisamos de «estabilidade, previsibilidade e respeito cá dentro e lá fora».
Moçambique. CPLP ainda importa?
2024 trouxe um desafio direto a Portugal: a questão moçambicana. Um processo eleitoral dúbio, pouco democrático até, culminou num cenário de guerra civil. Manifestações incessantes, maioritariamente lideradas pelo candidato de oposição Venâncio Mondlane, mortos e feridos. Um autêntico caos num país que é parte integrante da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP).
A título de contexto, é importante realçar que a diplomacia portuguesa assenta em três eixos distintos: o atlântico – na relação com os Estados Unidos e com a NATO -, o europeu e o das relações pós-coloniais que marcam uma rutura com o imperialismo do Estado Novo. O MNE tem priorizado o vetor europeu, e as declarações do ministro Paulo Rangel deixam esta veia europeia do Estado Português bem patente. Ainda que tenha expressado «uma grande preocupação com a instabilidade» em Moçambique, Rangel admite que o caso da Geórgia «põe problemas totalmente diferentes à União Europeia» e que aguardaria pela decisão do Conselho Constitucional moçambicano.
Entretanto, a 23 de dezembro, a decisão foi tomada: os resultados mantiveram-se e Daniel Chapo, da Frelimo foi confirmado como novo Presidente, mesmo que tenham sido reconhecidas irregularidades no processo eleitoral. Numa nota publicada no Portal Diplomático, o Governo anuncia que «está disposto a trabalhar com o novo Presidente e com o Governo moçambicanos em prol do reforço dos laços estratégicos entre os dois países, na continuidade dos laços históricos de amizade entre os dois povos». «Torna-se por isso essencial que as novas autoridades moçambicanas possam iniciar quanto antes um debate político inclusivo com as forças da oposição e representantes da sociedade civil (…) Nesse debate, afigura-se importante considerar a reforma do processo eleitoral moçambicano, seguindo as recomendações da União Europeia e da CPLP», conclui a diplomacia portuguesa.
Naturalmente, surgiram as críticas à (in)ação de Portugal. No podcast Contra-Corrente da Rádio Observador, o assunto foi abordado em profundidade por José Manuel Fernandes e Helena Matos num episódio intitulado Portugal já desistiu, mas o povo de Moçambique não. «As semanas passam e o espectro de um banho de sangue continua a pairar sobre Moçambique já que a Frelimo continua agarrada a um poder que é seu há 50 anos. E Portugal até já lhe deu os parabéns», pode ler-se na nota introdutória.
Para além dos desafios que a saúde democrática e os direitos humanos em Moçambique apresentam para Portugal, existe ainda outro: a situação dos portugueses que se encontram no país preocupados com as condições de segurança. Ainda assim, e citado pelo Público, o MNE informa que não está «agendado qualquer voo» de repatriamento. «Há cerca de 18 mil portugueses registados nos consulados em Moçambique», com os quais o MNE continua «em contacto permanente (…) para a monitorização da situação de segurança e preocupação dos cidadãos», avançou o mesmo jornal. Por tudo isto, a situação em Moçambique afigura-se um desafio para Portugal em 2025, e o Ministério tutelado por Paulo Rangel será posto à prova e mostrará se o eixo da CPLP continua a ser importante para Lisboa.
Mundo. Uma paz necessária
Moçambique é apenas mais um foco num mundo mergulhado em conflitos nas mais diversas geografias. A Guerra na Ucrânia arrasta-se, o Médio Oriente continua destabilizado e é palco de um jogo de forças superior e Taiwan continua a ser um objetivo da diplomacia chinesa, pelo que o perigo de um conflito à escala mundial de proporções catastróficas (nuclear) não pode ser descartado. Niall Ferguson, ao fazer uma previsão do que resta da década de 2020 no Daily Mail, acredita que «como historiador (…) a Terceira Guerra Mundial é uma ameaça MUITO maior do que as alterações climáticas – e é por isso que a guerra nuclear pode acontecer dentro de CINCO anos».
Ainda assim, parece haver mais esperança, mesmo que não seja total, numa pacificação internacional em 2025 do que em 2024. E Donald Trump, a grande personagem do ano passado, jogará um papel determinante. A sua abordagem à política externa, como comprova o seu primeiro mandato entre 2017 e 2021, faz regressar o realismo a Washington e, tal como disse Fareed Zakaria no seu programa Global Public Square na CNN, «esta nova realidade oferece algumas oportunidades reais a Donald Trump para obter ganhos significativos durante o próximo ano. O Irão pode estar no seu estado mais fraco em décadas, (…) as fraquezas da Rússia são também cada vez mais evidentes (…), a China continua a ser a segunda maior economia do mundo, mas está claramente a enfrentar uma série de enormes problemas». Zakaria não esquece a administração Biden que, segundo o analista, «pode ficar com uma boa parte dos louros».
Na Ucrânia, Trump prometeu resolver o conflito nas primeiras 24 horas. Ainda que o período temporal pareça curto, o cessar das hostilidades está mais perto, com o Presidente ucraniano Volodymyr Zelensky a saudar a doutrina da «paz pela força» do Presidente-eleito americano. «É exatamente este princípio que pode trazer uma paz justa à Ucrânia. Tenho esperança que possamos colocá-lo em prática juntos», disse Zelensky aquando da eleição de Trump.
No Médio Oriente, o ex (e próximo) Presidente americano deverá apoiar ainda mais a ação israelita que, independentemente das críticas quanto à sua conduta, foi responsável pela paralisação e destruição parcial de grupos terroristas como o Hamas ou o Hezbollah. Isto, por sua vez, enfraqueceu o Irão e a Rússia, que perderam um aliado estratégico com a queda de Bashar Al-Assad na Síria.
Eleições. Quem vai a votos?
O número de atos eleitorais no mundo será bem inferior em 2025 relativamente com o ano passado. Ainda assim, terão lugar algumas eleições que vale a pena notar. Na Bielorrússia haverá mais uma eleição presidencial que deverá carecer de justiça. O Presidente Alexander Lukashenko, um dos fiéis aliados de Vladimir Putin, deverá continuar agarrado ao poder, numa manobra semelhante à que conduziu nas eleições fraudulentas de 2020. Os protestos deverão repetir-se e a repressão política aumentará neste período. Os equatorianos irão novamente às urnas, onde o incumbente Daniel Noboa enfrentará a candidata Luisa González. Em 2023, o processo eleitoral foi conturbado e violento. Numa Alemanha débil e em risco de recessão, o Governo de coligação entre os sociais-democratas, os verdes e os liberais colapsou. A moção de confiança não passou, naturalmente, e os alemães escolherão um novo executivo já a 23 de fevereiro. Espera-se o crescimento da AfD, de extrema-direita, mas deverá ser a CDU, de centro-direita, a assumir as rédeas do motor mais importante da Europa. Em outubro espera-se uma viragem substancial à direita também no Canadá, com Justin Trudeau, o primeiro-ministro incumbente, a apresentar taxas de rejeição assinaláveis e com as sondagens a indicarem uma vitória esmagadora do Partido Conservador, liderado por Pierre Poilievre. Haverá também eleições no Kosovo, na Austrália, no Gabão, na Bolívia, na Tanzânia e nas Honduras.
Posto isto, o ano de 2025 está carregado de desafios, tanto a nível nacional como internacional e poderá ser um ano de redefinição a vários níveis, da geopolítica à cultura, passando também pela economia.