Antevisão. 2025, odisseia no espaço

A Space X deverá lançar este ano o foguetão mais potente de sempre. Mas Musk não está sozinho. A Blue Origin, de Jeff Bezos, tambem está na corrida ao espaço. Porquê tanto esforço, talento e dinheiro investidos num campo de investigação cujos benefícios são tão remotos e duvidosos? O que andam as grandes potências a…

A Space X deverá lançar este ano o foguetão mais potente de sempre. Mas Musk não está sozinho. A Blue Origin, de Jeff Bezos, tambem está na corrida ao espaço. Porquê tanto esforço, talento e dinheiro investidos num campo de investigação cujos benefícios são tão remotos e duvidosos? O que andam as grandes potências a tramar?

No primeiro dia de Janeiro, o novo ano é como a página inicial de um livro em branco que só a partir daí começará a ser escrito. Claro que aqui e ali há tópicos esboçados – uma eleição, uma missão ao espaço, um dérbi desportivo – mas não são mais do que títulos de capítulos cujo desfecho permanece uma incógnita.


Ou, num modo mais prosaico, os anos são como os melões: por fora parecem todos iguais, pelo que só depois de abertos se perceberá se são doces e suculentos ou desenxabidos como pepino. Mas fantasiar é humano e sempre houve quem tentasse antecipar a história, fazendo previsões do que estaria para vir. Mesmo as mais disparatadas.

O ano 2000 visto do século XIX Em 1899, um fabricante de brinquedos de Lyon chamado Armand Gervais pediu a um ilustrador, de seu nome Jean-Marc Côté, para imaginar o futuro. Porém, Gervais não se contentava com o futuro imediato. O ano 1900 estava mesmo ao virar da esquina e ele queria ver mais longe. O desafio colocado a Côté era imaginar o mundo no longínquo ano de 2000. Os seus desenhos seriam depois impressos em postais que serviriam para embalar maços de cigarros.


Alguns desses quadros imaginados há 125 anos parecem-nos estranhamente familiares (se descontarmos, claro, as indumentárias oitocentistas, quase vitorianas): alunos na sala de aula com headphones nos ouvidos (com a diferença de que estes estão a ouvir a matéria debitada pelo professor numa máquina que ‘digere’ livros); um homem que fala para uma corneta enquanto vê projetada na parede a imagem de uma senhora (o equivalente, sem dúvida, da videochamada); um casal a ouvir o jornal no fonógrafo (nada mais do que o nosso podcast); e uma dona de casa dando orientações a uma vassoura mecânica (o antepassado do robot-aspirador dos nossos dias).
Côté parecia, contudo, ter uma obsessão com o fundo do mar, talvez por influência do seu compatriota Júlio Verne, que escreveu 20 mil léguas submarinas. Os postais mostram homens e mulheres a passear calmamente debaixo de água graças a um escafandro; um “autocarro submarino”; um outro “bus” puxado por uma baleia; e um “palácio oceânico” com grandes janelas para os passageiros – vestidos a rigor – desfrutarem das maravilhas submarinas. Um certo excesso de fantasia nestes postais ilustrados é mais do que compreensível – afinal Gervais era um fabricante de brinquedos.

A realidade no ano 2000 Se Côté e Gervais (que malogradamente morreu ainda em 1899) tivessem visto realmente o mundo como era no ano 2000 teriam decerto ficado de queixo caído com os frutos do progresso. Mas o turismo subaquático não fazia ainda parte das atividades de lazer. Viajar debaixo de água continuava a ser uma atividade de risco. Nesse mesmo ano de 2000, um submarino russo com 24 mísseis e vários torpedos afundou-se durante um exercício no Mar de Barents, a 108 metros de profundidade. O submarino chamava-se Kursk, em homenagem à maior batalha de blindados da história, travada entre russos e alemães na II Guerra Mundial, e dos seus 108 tripulantes nenhum sobreviveu.


Entre os postais desenhados por Côté há também uma panóplia de máquinas voadoras – mas curiosamente nem sombra de missões ao espaço. É justamente por aqui que começaremos a nossa viagem pelo ano de 2025.

A nova corrida ao espaço Todos os olhos estão naturalmente postos na América, quer devido à tomada de posse de Trump, quer pelo protagonismo que Elon Musk tem vindo a assumir. Está previsto para meados de janeiro o lançamento do SpaceX Falcon 9, que leva a bordo os módulos lunares Blue Ghost e Hakuto-R Mission 2 (este japonês), ambos com a missão de explorar a Lua em busca de água. O tráfego no satélite natural da Terra promete ficar congestionado neste início de ano.


A NASA, que tem perdido visibilidade para a empresa de Musk, não está parada. Vai lançar a missão Punch (soco em português) – Polarimeter to Unify the Corona and Heliosphere, em que quatro satélites vão captar imagens 3D da coroa do sol, uma região escaldante que se estende por milhões de quilómetros. Tentarão desvendar por que esta é muito mais quente do que a superfície da estrela e perceber como a energia do Sol se espalha pelo sistema solar, num fluxo que já foi comparado a uma cascata.
A Agência Espacial Europeia, em colaboração com a Academia das Ciências da China, lançará uma missão também ao Sol, mas baptizada com um nome mais simpático: SMILE (sorriso) – Solar wind Magnetosphere Ionosphere Link Explorer. O objetivo é perceber como o vento solar interage com o campo magnético da Terra.


Em 2025 a ligação de Musk a Donald Trump deve começar a pagar dividendos, com a provável aprovação de lançamento de até 25 veículos Starship-Super Heavy, o foguetão mais potente de sempre, com capacidade para 100 passageiros, com o qual a Space X pretende inaugurar uma nova era de viagens no espaço. O primeiro passo é enviar material e astronautas para a Estação Espacial Internacional; mas alguns ‘turistas’ super-ricos poderão aproveitar a boleia para um passeio pelo espaço. Com esse dinheiro, Musk financiará a sua pesquisa. O empresário já revelou que o seu objetivo último é colonizar Marte e para isso precisa de um meio de transporte eficiente.
Ou seja, as viagens subaquáticas preconizadas em 1899 por Jean-Marc Côté continuam uma raridade e já deram mau resultado (veja-se o desastre do Titan, o submersível que ia mergulhar até ao Titanic e que explodiu com cinco pessoas a bordo em junho de 2023). Mas o turismo interplanetário, que pareceria algo ainda mais extravagante, pode estar em vias de se generalizar.
E Musk não está sozinho. Ainda na primeira quinzena de janeiro deverá partir de uma plataforma de lançamento na Florida – a estação de Cabo Canaveral – o foguetão da Blue Origin, a empresa de Jeff Bezos. O patrão da Amazon está na corrida ao espaço, e pretende no futuro montar uma nova estação espacial.

Milhões em defesa Mas porquê tanto esforço, talento, conhecimento e dinheiro investidos num campo de investigação cujos benefícios para a humanidade são tão remotos e duvidosos? O que andam as grandes potências a tramar? Não deveriam esses recursos ser usados para resolver os problemas que temos cá em baixo no planeta Terra?


Talvez a resposta a esta questão possa ser dada em cifrões. Segundo a CNN, “em junho [de 2024] a US Space Force escolheu a Blue Origin, a ULA [United Launch Alliance, outro fabricante aerospacial] e a SpaceX para competirem por contratos do Pentágono para missões previstas para os próximos quatro anos avaliados em 5,6 mil milhões de dólares”.


Ou seja, por um lado, há muito dinheiro em jogo. Por outro lado, não se trata apenas da exploração do espaço, mas das armas do futuro que estão já na forja. Não é preciso ter uma bola de cristal para perceber que não faltará muito para que os drones e os caças se tornem brincadeiras de crianças perante armas muito mais devastadoras.


Com duas grandes guerras em curso e outras possivelmente em preparação, o ano de 2025, que agora começa, promete ser uma viagem alucinante. Se a humanidade chegar sem sobressaltos de maior até à próxima paragem – que é como quem diz, ao próximo ano – será caso para especial celebração.