Envelhecimento. Nem a natalidade junto de imigrantes salva saldo

José Malheiros, geógrafo e especialista em migração já veio admitir que não serão estes fluxos de imigração que irão resolver o problema de envelhecimento em Portugal. E não hesita: “Estamos e vamos continuar a envelhecer”.

A população portuguesa está cada vez envelhecida e os nascimentos não permitem inverter esta tendência. A agravar esta equação está o facto de entre janeiro e setembro terem nascido 63.237 bebés, menos 430 do que em igual período do ano passado. Os dados foram revelados pelo Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (Insa) e contrariam os números dos últimos dois anos, que apontavam para subidas consecutivas, o que permite perspetivar uma nova queda da taxa de natalidade.

E a descida só não foi mais acentuada devido ao nascimento ao contributo para a natalidade dado por mulheres estrangeiras.

Por outro lado, de acordo com os dados do Instituto Nacional de Estatística, Portugal registou mais 886 mortes nos primeiros seis meses do ano passado face a igual período de 2023. No total, no primeiro semestre morreram cerca de 61 mil pessoas em Portugal. Só em junho, ocorreram mais de 9 mil óbitos, mais 338 que em junho do ano passado.

Também a mortalidade infantil tem subido. Só no ano passado morreram 261 bebés abaixo de um ano de idade. Trata-se do valor mais alto desde 2019. O acesso desigual a cuidados de saúde e gravidezes mal vigiadas poderão justificar esta subida.

Poderá o ‘sangue novo’ da imigração salvar estes números? José Malheiros, geógrafo e especialista em migração, já veio admitir que não serão estes fluxos de imigração que irão resolver o problema de envelhecimento em Portugal. “Estamos e vamos continuar a envelhecer. Os imigrantes não inverterão o processo de envelhecimento e é bom termos consciência disso. Do ponto de vista macro, muitos países de onde vêm os imigrantes também estão a envelhecer”, explica. E acrescenta: “Não vamos conseguir que o país tenha de repente mais nascimentos do que óbitos nos próximos anos. Logo, esta entrada de imigrantes pode fazer com que o número total de habitantes do país se mantenha estável ou crescer um bocadinho, invertendo o que aconteceu no último decénio”.

Apesar de reconhecer que o índice de fecundidade continua a ser baixo, admite que o contributo dos imigrantes “apesar de tudo mitiga” o processo de redução de número de nascimentos no país.

Problema generalizado

O problema da baixa natalidade e do envelhecimento não afeta apenas Portugal. A população da Europa está a envelhecer e até 2030, a maioria dos países da União Europeia vai ver o número de trabalhadores com mais de 50 anos aumentar para 55% do total da força de trabalho. As estimativas são da Comissão Europeia e revelam ainda que Portugal, Grécia, Itália e Espanha estão entre os 10 principais países com a menor taxa de natalidade do mundo.

Mas a este grupo juntam-se muitos outros e, no início deste ano, até a China se deparou com a queda da sua população pela primeira vez em 60 anos. No final de 2023 contava com 1411,75 mil milhões de pessoas, comparando com 1412,6 mil milhões em 2021. A queda de 850 mil pessoas marca, de acordo com os especialistas, o início de um declínio populacional no país, apesar dos esforços de Pequim para inverter a tendência.

Jorge Malheiros lembra que até na África subsariana, onde ainda se registam índices de fecundidade mais elevados – na ordem dos três nascimentos por mil, mas que já chegou a atingir os cinco e os seis – também está a cair. O mesmo cenário repete-se na África do Norte, com índices na ordem dos dois, como é o caso da Tunísia. “É verdade que numa parte da África subsariana ou no Médio Oriente ainda existem índices sintéticos de fecundidade altos, mas também esses estão a diminuir. Na Índia, onde eram altos, estão a diminuir. Na América do Sul e Central também diminuíram muitíssimo”, salienta.

E não hesita: “Estes níveis de envelhecimento são muito mais significativos na Europa, mas também já são muitos significativos na China e começam a ser claramente preocupantes na América Latina e no continente americano, em geral”, o que o leva a questionar: “Como é que vamos viver com uma população que tem uma figura de pirâmides demográficas, onde a percentagem de pessoas acima dos 60 anos e acima dos 80 tem valores muito elevados?”.

O que está a provocar esta queda

De acordo com o geógrafo, a possibilidade de planificar é uma das grandes responsáveis pelo fenómeno. “Isso é fundamental e chega a todo o lado. O facto de se poder separar a sexualidade da reprodução sinalizou-se em todo o lado, mesmo nos países mais conservadores, como nos países islâmicos. Há formas de controlar a natalidade e há a utilização de contracetivos, em alguns casos mais, em outros menos. Há também a utilização de contracetivos masculinos”.

A maioria da população em idade fértil sabe que pode controlar a fecundidade. “É claro que isso é mais evidente nuns casos do que em outros, mas quase todos sabem que o podem fazer e uma grande parte faz”.

Outra das razões, avança o professor universitário, é o modelo de sociedade que se foi generalizando. “Esta sociedade rápida existe aqui, mas também existe no Cairo, na Nigéria, nos países asiáticos e, portanto, as condições que levam à diminuição da fecundidade estão presentes em todo o lado. O que é que mitiga isto? As componentes culturais, que nuns casos fazem com que seja mais rápido, noutros mais lento. Componentes que estão relacionadas com o grau de emancipação das mulheres. Sabe-se que a emancipação ao nível da instrução das mulheres está muito associada à sua capacidade de decidir efetivamente quando e quantos filhos querem ter”.