Mondlane regressou e a história repetiu-se

Venâncio Mondlane regressou a Moçambique, mas isso não significa que a calma tenha voltado ao país. Enquanto discursava no centro de Maputo, os seus apoiantes foram alvejados pela polícia e três morreram.  

Após dois meses e meio de autêntico caos, que se saldou em 294 mortos, 604 pessoas baleadas e 4.218 detenções na sequência de manifestações pós-eleições, a situação política em Moçambique pode alterar-se com o regresso de Venâncio Mondlane. 

Ninguém sabe, ao certo, o que vai acontecer, mas a preocupação entre os moçambicanos é grande. Os próximos dias serão de grande incerteza, já que o candidato derrotado às eleições presidenciais continua a ter um discurso duro e desafiador e a franja mais radical na Frelimo não está disposta a ceder tendo em conta os resultados finais das eleições gerais. O candidato derrotado das eleições presidenciais continua a marcar a agenda política, e o dia 15 de janeiro pode transformar-se num barril de pólvora, capaz de explodir a qualquer momento. Daniel Chapo vai ser indigitado como o novo Presidente da República, isto, depois de Venâncio Mondlane se ter autoproclamado Presidente de Moçambique, à chegada a Maputo, e de ter prestado juramento de tomada de posse perante os jornalistas no aeroporto. «Juro pela minha honra respeitar a Constituição e as leis, e usar todas as minha energias em benefício desta terra para que em cinco ou dez anos se torne uma das maiores nações do mundo», disse.

‘Estou aqui, em carne e osso’

Venâncio Mondlane aterrou bem cedo em Maputo, naquele que pode ser considerado o primeiro dia do resto da sua vida, e começou por se mostrar disponível para dialogar e negociar com um regime que acusou de ter feito «uma espécie de genocídio silencioso» à contestação dos resultados das eleições que deram a vitória a Daniel Chapo e à Frelimo. A sua chegada era aguardada com grande expectativa por milhares de apoiantes, só que estes foram impedidos pela polícia e por militares de se deslocarem à zona do Aeroporto Internacional de Maputo. Todos os acessos foram bloqueados e quando os apoiantes tentaram furar as barreiras a polícia usou gás lacrimogéneo e disparou balas reais. Ainda no aeroporto, Mondlane começou por justificar o seu regresso com o facto de querer «acabar com a narrativa de que o diálogo não tinha a participação de Venâncio porque estava fora do país». «Estou aqui presente, em carne e osso, para dizer que se quiserem dialogar podem fazê-lo», afirmou. O político acrescentou que «apercebi-me que o regime optou por uma estratégia de genocídio silencioso». «As pessoas estão a ser sequestradas de suas casas, estão a ser executadas nas matas e estão a ser descobertas valas comuns com supostos apoiantes meus. O povo está a ser massacrado», acusou ainda o político.

Uma hora depois de ter regressado ao país, o candidato apoiado pelo Podemos dirigiu-se aos seus seguidores no centro de Maputo. Em cima de um carro de som, discursou perante milhares de apoiantes, só que o discurso durou poucos minutos porque a polícia voltou a atacar com extrema violência, provocando a morte a três pessoas, segundo a Plataforma Decide, e a fuga dos apoiantes.

Sem acordo

Venâncio Mondlane recusou a ideia de que o seu regresso a Moçambique tivesse por base qualquer acordo político. «É uma decisão unilateral. Como sabem, já tinha feito um ofício ao Presidente da República e disse-lhe que para dialogarmos há algumas pré-condições a satisfazer». O candidato derrotado nas eleições gerais não obteve qualquer resposta, ainda assim regressou consciente dos riscos que corre. «Se me quiserem assassinar, assassinem. Se quiserem prender-me, prendam. São coisas pequenas e passageiras, que não fazem história. O que faz é o sacrifício que estou disponível a passar em nome dos outros e da Humanidade», afirmou. Lançou também um desafio às autoridades moçambicanas: «Sei que na minha queda a fúria popular que vai acontecer em Moçambique não tem comparação na história de África e de Moçambique».

Em relação à situação política, Mondlane anunciou que a sua presença marca o início da nova fase de contestação aos resultados eleitorais a que chamou “Ponta de lança”. Ao regressar a Moçambique, Mondlane recupera o protagonismo político, e, apesar de não ser o líder do Podemos, partido que o apoiou nas eleições presidenciais, quer ser voz ativa nas reuniões que o Chefe de Estado tem mantido com os partidos com base na expressiva votação que teve nessas eleições. Contudo, a sua situação pode complicar-se uma vez que o Ministério Público abriu vários processos contra Mondlane, considerando-o autor moral das manifestações que causaram avultados prejuízos e a destruição de infraestruturas públicas num valor superior a dois milhões de euros.