Almeida Garrett é uma figura incontornável do Porto oitocentista e do romantismo português. Como político, participou na Revolução Liberal que eclodiu no Porto, em 1820, e, mais tarde, integrou o exército liberal de D. Pedro IV que desembarcou no Mindelo para libertar do miguelismo a cidade e o país. A sua vida é um romance de capa e espada, o que ajudou a construir o mito popular.
A cidade do Porto nunca se poupou a esforços para homenagear Garrett, associando-o à vitória do liberalismo que instituiu a monarquia constitucional. Dedicou-lhe uma praça, junto à Estação de São Bento, uma estátua, diante dos Paços do Concelho, e uma biblioteca e auditório, nos jardins do Palácio de Cristal.
Ao contrário do Parlamento, que fez vista grossa relativamente à efeméride, o Porto celebrou condignamente os 200 anos da Revolução Liberal, destacando o papel de Garrett. Acresce que está em curso a expansão e reformulação do museu da cidade – uma velha aspiração dos portuenses tornada viável desde que o Governo anterior cedeu ao Município o Palácio de São João Novo, um magnífico edifício da autoria de Nasoni -, onde o liberalismo portuense e Garrett terão o justo destaque.
Entretanto, fruto de um acerto territorial com Gondomar, o Porto recuperará a Quinta de Villar d’Allen, em Campanhã. Na casa onde viveu outro vulto do liberalismo,João Allen, e que dispõe de um imponente jardim, está guardado um extraordinário espólio histórico. Pretendendo a família Allen que a Câmara assegure a manutenção do jardim, a contrapartida óbvia é que a casa seja visitável, o que resolve o desígnio de termos um espaço museológico dedicado ao liberalismo no Porto. Um projeto que se gorara há cinco anos, quando foi vendido o edifício onde Garrett nasceu, na Vitória.
Integrada na zona protegida como Património da Humanidade, a antiga casa do autor de Viagens na Minha Terra tem um belíssimo medalhão na fachada, que exalta o facto de aí ter nascido o herói. O interior, onde nada restava da traça original ou qualquer acervo, seria consumido por um incêndio dias depois de o Executivo Municipal aprovar o início do procedimento para exercer o seu direito de preferência na transação do imóvel, com o propósito de aí instalar o museu do liberalismo.
A opção não seria exercida, porque o custo da transação excedia largamente o valor de mercado, segundo a avaliação independente que é exigida pelo Tribunal de Contas para aprovar qualquer aquisição. Desde então, os proprietários emparcelaram a casa com outros edifícios contíguos e terão a intenção de licenciar um hotel, o que é permitido pelo PDM, se aprovado pelas entidades competentes.
A Câmara só pode adquirir por negociação, ou exercício do direito de preferência, se houver uma nova transação e se o valor for compatível com uma nova avaliação. E nãoé exequível, obviamente, avançar com uma expropriação.
A hipótese de a reabilitação resultar num hotel levantou um clamor que uniu gente bem-intencionada, radicais que invocam argumentos lunáticos e algumas candidaturas autárquicas: o candidato do PS, Manuel Pizarro, finge não perceber a contingência, enquanto a vereadora do absolutista PCP, Ilda Figueiredo, que vive encantada com o liberalismo, e até António Araújo, o protocandidato e marioneta do ventríloquo Rui Rio, acham que é uma opção política. E não falta quem me acuse de, por alegada inação, defender interesses imobiliários.
Ora, comprar a qualquer preço, mesmo que tal fosse legal, e não é, beneficiaria a especulação imobiliária – o tal papão que, curiosamente, costumam invocar aqueles queexigem que, a pretexto do museu, se adquira o edifício custe o que custar. Não é uma questão de coerência: o que campeia é a demagogia.
Quem não caça com cão…
A cidade do Porto nunca se poupou a esforços para homenagear Garrett, associando-o à vitória do liberalismo que instituiu a monarquia constitucional.