Quem não aumentou nos últimos anos pode atualizar as rendas em 11,1%

Senhorios têm optado por subir a renda todos os anos, mas há quem consiga fintar a subida de 2,16% se não tiver atualizado valor nos últimos três anos. Associações estão mais preocupadas com o problema das rendas congeladas.

A par do aumento das rendas indexadas à taxa de inflação – este ano podem subir até 2,16%, incluindo para contratos anteriores a 1990 – o senhorio que não tenha atualizado o valor nos últimos três anos pode aplicar os coeficientes de atualização desses anos, resultando num aumento de 11,1%.

Para uma renda de 850 euros, a subida de 2,16% representaria um acréscimo de cerca de 18,36 euros. No entanto, se o senhorio decidir aplicar os coeficientes acumulados dos últimos três anos, o aumento será de 97,20 euros, passando para 947,20 euros.

Ao Nascer do SOL, o presidente da Associação Lisbonense de Proprietários (ALP), Luís Menezes Leitão, reconhece que a maioria dos senhorios prefere atualizar o valor da renda todos os anos, admitindo que «é muito raro o caso de alguém que se esqueça de atualizar».

Já o presidente da Associação Nacional de Proprietários (ANP), António Frias Marques, diz que «cada caso é um caso», admitindo que «quando as rendas já são relativamente elevadas, os senhorios tentam conservar o inquilino e falam com ele em matéria de aumentos, mas quando são baixas têm a hipótese de recorrer a essa prorrogativa». Ainda assim, afirma que como a maioria das rendas são baixas vão tentando aplicar anualmente a taxa de inflação. «Há um bocadinho de tudo. Há uma novidade em relação aos contratos antigos, anteriores a 1990, cujas rendas estavam congeladas agora é possível aplicar os 6,94% do ano de 2024 mais os 2,16% de 2025, no entanto, continuam a apresentar valores baixos», diz ao nosso jornal.

Outro recurso para subir a renda diz respeito ao aditamento dos contratos. Mas também aqui Frias Marques reconhece que há dois cenários. «Se os contratos forem anteriores a 1990 não há entendimento nenhum porque o inquilino não está de acordo e quer continuar a ter uma renda baixa, sem esquecer que estamos a falar de uma população idosa.

Nos outros já poderá ser mais fácil fazer essa alteração e faz-se normalmente esses aditamentos quando é cobrado, por exemplo, uma renda de 500 euros, mas naquele sítio já se praticam valores de de mil euros. Aí tentam chegar a acordo para que o senhorio não se oponha à renovação do contrato e funciona sempre com base na negociação, além do mais com os preços a dispararem, os inquilinos também têm a noção das coisas e se estão a pagar 500 euros se calhar aceitam passar a pagar 600 ou até 700 euros porque sabem que há rendas com valores estratosféricos», salienta.

«Os casos que tenho conhecimento é que acabam por chegar a acordo, geralmente os contratos que não se renovam é porque os inquilinos ou não pagam a renda a tempo e horas ou fazem má vizinhança, em que há queixas de outros moradores, etc. Se for um bom inquilino, se for cumpridor, as renovações de contrato estão garantidas», acrescenta.

Para Frias Marques, «enquanto as fronteiras estiveram escancaradas como estão e enquanto entrarem europeus e americanos ricos, os valores no mercado de arrendamento vão continuar altos, porque para eles é canja pagarem esses valores, já que em qualquer outra capital europeia é mais alto». E confessa: «Nós é que ganhamos pouco. Estamos a sofrer não é só com a renda da casa, como também estamos a sofrer com as compras no supermercado, em que os preços praticados são mais ou menos iguais ao de França, mas um francês ganha três vezes mais».

Estrangeiros pobres

A somar a este problema está, de acordo com o responsável, a existência ainda de estrangeiros pobres. «Como é que se resolve o problema dos estrangeiros pobres? Os estrangeiros pobres arrendam um T2 que não é acessível a um casal com um filho, mas conseguem pagar esse preço porque estão em regime de sobrelotação.

Temos, por exemplo, muitos associados em Braga e já chamam ‘Bragasil’ porque dizem que 30% da população em Braga é brasileira e Braga era das cidades do país com rendas mais em conta, em que se arranjavam apartamentos T3 a 400 euros hoje a menos de mil também já não arranja porque os brasileiros tomaram conta de tudo, só que em vez de se meter um casal numa casa mete-se dois casais ou três ou até 10 homens. E mesmo que deem mil euros por arrendamento cada um paga 100 euros e ainda lhes fica em conta», salienta.

Um problema que, segundo o mesmo, cuja solução terá de passar por devolver a confiança aos senhorios, o que, no seu entender, é muito difícil. «Há um sentimento que é o de confiança que uma vez perdida tarda ou nunca se restabelece. É o mesmo que acontece com uma traição num casal, basta um que saiba e a confiança não volta. No arrendamento, as leis mudam todos os dias e, neste momento, estamos a atravessar uma fase horrível de incumprimento no pagamento da renda, coisa que já não se verificava há uns anos», acrescenta.

Ainda assim, o presidente da Associação Nacional de Proprietários reconhece que já há imóveis que estavam no alojamento local que começam a vir para o mercado de arrendamento tradicional e explica a razão: «As pessoas pensavam que o alojamento local era um negócio da China e se calhar não é tanto quanto isso. Há imensas licenças em Lisboa, onde há umas dezenas de milhares de licenças fantasma, em que requisitaram a licença, foi-lhes concedida e não há atividade nenhuma. As pessoas iludiram-se, o que estava na base do alojamento local era o facto de as pessoas terem um quarto vago em casa e recebiam hospedes, mas o que está a ser feito não é isso, sem falar dos elevados custos».

Provedora com dossiê

Já em relação à queixa formal à provedora de Justiça avançada pela ALP, «solicitando a sua intervenção urgente na defesa dos direitos de mais de 124 mil senhorios com arrendamentos com rendas congeladas, de contratos celebrados em data anterior a 1990», Menezes Leitão diz apenas que o documento que já foi entregue e que já ouviu declarações por parte de Maria Lúcia Amaral que iria examinar o assunto e, como tal, diz estar «a aguardar».

Recorde-se que a queixa da ALP aponta para «as arbitrariedades e injustiças flagrantes que estão a acontecer desde julho passado, no âmbito das candidaturas e pagamento da compensação pela não transição destes contratos de rendas congeladas para o Novo Regime de Arrendamento Urbano» e acusa o Estado de estar «deliberadamente a bloquear o acesso à compensação pelos senhorios, a sua maioria idosos ou muito idosos, ao introduzir um circuito burocrático impraticável», defendendo que cabe ao Estado assumir «as suas responsabilidades, sem expedientes administrativos, e torne a atribuição deste subsídio de compensação aos senhorios automática, como aliás já o faz noutros apoios ao arrendamento, cuja única grande diferença é que são atribuídos aos inquilinos».

Virar o bico ao prego

Opinião diferente tem António Frias Marques ao afirmar que há muitos assuntos que poderiam ser apresentados à provedora de Justiça, mas em relação às rendas congeladas defende ter uma posição diferente. «Vamos fazendo as coisas num outro sentido, vamos ao Parlamento, somos recebidos nas comissões pelos grupos parlamentares para falarmos sobre estas questões», mas lembra que a grande maioria dos inquilinos que têm rendas congeladas são pessoas idosas e, na maior parte dos casos, com baixos rendimentos.

«Muitos têm reformas miseráveis e vão fazendo prova dos rendimentos. A hipótese que se pôs para esta situação e que este Governo prometeu enquanto esteve em campanha eleitoral é que iria dar um subsídio a essas pessoas, no entanto, viraram o bico ao prego e não fizeram nada disto. Foi matéria de campanha eleitoral», salienta ao nosso jornal.

E não hesita: «Neste momento, ninguém quer comprar para pôr a casa no arrendamento porque somos inundados por situações do arco da velha. É tudo muito complicado e não tenhamos a ilusão que o problema da habitação tem de ser resolvido, mas pelas câmaras ou pelo Estado», no entanto, admite ficar incrédulo com as dívidas à Câmara Municipal de Lisboa que se vê a braços com valores em falta na ordem dos 50 milhões de euros por parte de inquilinos que não pagam renda.

«Estamos a falar de rendas baixas. Isso é terrível, mas é o país em que vivemos. Se calhar há dinheiro para vinho ou cerveja mas não há para pagar a renda», conclui.