125 anos depois

Eça sempre foi muito viajado. Até depois de morto: Paris-Lisboa-Tormes-Lisboa.

Sara Matos

Querida avó,

Após muita polémica, 125 anos depois da morte do autor, os restos mortais de Eça de Queiroz chegaram ao Panteão Nacional, finalmente.

Eça de Queiroz, cônsul português em Paris, morreu a 16 de agosto de 1900, com, apenas, 54 anos de idade. Em setembro de 1989, os seus restos mortais foram transportados para um jazigo de família, no cemitério de Santa Cruz do Douro, em Baião. A trasladação para o Panteão Nacional esteve envolvida em polémica, uma vez que alguns familiares não desejavam ver os restos mortais sair da aldeia Santa Cruz do Douro.

Deixa-me partilhar contigo que não tenho um conhecimento profundo sobre a obra de Eça de Queiroz!

Como não podia deixar de ser li “Os Maias”, uma das obras mais conhecidas do escritor português. A história de família (Maia) ao longo de três gerações, centrando-se depois na última, com a história de amor entre Carlos da Maia e Maria Eduarda. Um romance que nos leva numa viagem às memórias da Lisboa de antigamente (e não só).

Li o polémico “Crime do Padre Amaro”, que causou protestos da Igreja Católica, ao ser publicada em 1875. O romance entre o padre Amaro e a jovem Amélia, que surge num ambiente em que o próprio papel da religião é alvo de grandes discussões e a moralidade de cada um é posta à prova. Deixa que te diga, que, se o livro fosse publicado hoje, pela primeira vez, continuaria a espelhar a realidade atual e a ser, sem sombra de dúvidas, uma escandaleira.

Li também “O primo Basílio”, uma análise da família burguesa urbana no século XIX. As personagens deste romance podem ser consideradas o protótipo da futilidade, da ociosidade daquela sociedade, que não é assim tão diferente da de hoje.

É considerado um dos mais importantes escritores portugueses de todos os tempos. De tal modo que ao ouvirem falar de “funeral”, alguns pensam que o Eça morreu agora.

Agora vou reler o livro “A Cidade e as Serras”.

Fica bem.

Bjs

Querido neto,

Fazes muito bem em releres esse livro!      

“A Cidade e as Serras” pertence à última fase do escritor, onde abandona a crítica pesada que fazia à sociedade portuguesa da época. Neste livro, Eça de Queiroz faz uma comparação entre a vida civilizada e agitada de Paris e a vida tranquila e pacata na cidade serrana de Tormes.

Gosto muito do livro “A Relíquia” que fala de Teodorico, que com o canudo de bacharel fresco na mão, apressa-se de Coimbra para Lisboa com uma só missão: viver uma «existência de sobrinho da Sr.ª D. Patrocínio das Neves» e assegurar a sua herança avultada. Numa casa profundamente católica, Teodorico é exímio a encenar uma devoção e religiosidade extremas. Para que não restem dúvidas, aceita viajar até à Terra Santa, de onde promete trazer uma relíquia milagrosa que dará amparo e curará todos os males da titi. Mas, pelo caminho, conhece a inglesa Mary. Não leste?

Inspirados na obra de Eça, juntamente com José Jorge Letria, José Fanha, João Aguiar, Mário Zambujal e Luísa Beltrão escrevemos o livro “Os Novos Mistérios de Sintra”. Neste livro contamos a inquietante, e movimentada, aventura de Gonçalo, um professor de História. Este romance é acima de tudo um grande divertimento de sete escritores que se encontraram pelo puro prazer de inventar uma história e de escrever cada um a sua fatia com mestria e sem preconceitos.

Eça sempre foi muito viajado. Até depois de morto: Paris-Lisboa-Tormes-Lisboa.

“Liberdade” foi a palavra escolhida no ano que terminou recentemente. Eça foi livre e os seus livros espelham essa liberdade, de pensamento.

“Contar histórias é uma das mais belas ocupações humana”. Eça continua vivo porque o continuamos a ler.

Como sabes um dos meus livros preferidos é “Os Maias” que releio todos os anos. Aliás, vou lê-lo agora.

Bjs