O candidato do PS

Eduardo Ferro Rodrigues é, por direito próprio, um dos mais destacados senadores do Partido Socialista. E um destes dias veio fazer uma proposta inesperada: desafiou o seu partido a efetuar umas ‘primárias’ para escolher o candidato às próximas eleições presidenciais – à semelhança do que fazem nos Estados Unidos o Partido Democrata e o Partido…

Eduardo Ferro Rodrigues é, por direito próprio, um dos mais destacados senadores do Partido Socialista. E um destes dias veio fazer uma proposta inesperada: desafiou o seu partido a efetuar umas ‘primárias’ para escolher o candidato às próximas eleições presidenciais – à semelhança do que fazem nos Estados Unidos o Partido Democrata e o Partido Republicano.         Além de inesperada, a proposta tinha algo de insólito, sabendo-se que, de acordo com a lei portuguesa, não cabe aos partidos apresentarem candidatos presidenciais.

Os candidatos apresentam-se individualmente, depois de uma reflexão pessoal, e cada partido apoia aquele que lhe parecer melhor.

Aliás, Pedro Nuno Santos, embora não respondendo diretamente a Ferro Rodrigues, veio dizer que o PS não apresentará qualquer candidato e apoiará o que que lhe parecer mais adequado à função.

É estranho, pois, Ferro ter feito aquela proposta, conhecendo ele muito bem o sistema, tendo sido mesmo, como nos recordamos, presidente da Assembleia da República.

Não podendo ter sido uma distração, nem uma brincadeira, só vejo uma possibilidade: com essa iniciativa, Ferro Rodrigues visava proporcionar o aparecimento de um candidato não alinhado com a direção do partido.

Estando neste momento o PS dividido entre várias sensibilidades, se a sugestão de Ferro Rodrigues fosse eventualmente avante cada uma delas teria a possibilidade de se manifestar, escolhendo o seu candidato a Belém.

E poderia haver surpresas.

Mas perante o que já se viu e ouviu, quais são os nomes em cima da mesa? Depois das ‘desistências’ de Mário Centeno e de Elisa Ferreira – cuja hipótese surgiu logo a seguir à renúncia daquele –, ficaram na corrida cinco nomes: António Vitorino, António José Seguro, Augusto Santos Silva, Sampaio da Nóvoa e Ana Gomes.

Vitorino deve vir a manifestar brevemente a sua disponibilidade, caso contrário não faria sentido ter deixado arrastar o seu nome até agora. E esperará apenas o momento adequado para fazer o anúncio.

Seguro está mortinho por ser candidato, mas Pedro Nuno Santos nunca o apoiará. Seria uma afronta a António Costa, que o líder do PS não vai querer fazer. Resta saber se Seguro terá coragem (e meios) para avançar sozinho.

Santos Silva julgo que também gostaria de ser candidato, até porque não lhe resta outro futuro político: já foi líder da AR, já foi ministro de várias pastas, e dificilmente voltará ao Governo. Mas não acredito que avance sem o apoio do líder.

Ana Gomes adora a visibilidade e nada a impede de voltar a candidatar-se.

E já agora, por que não o próprio Ferro Rodrigues? Quem sabe se a sua proposta não tinha água no bico e se destinava mesmo a lançar o seu nome?

De todas estas hipóteses, António Vitorino é o candidato que o Partido Socialista muito provavelmente irá apoiar. É o mais consensual, o que divide menos, o mais redondo, o que tem um perfil ideológico menos vincado.           Nunca abre o jogo, coloca-se à esquerda mas pisca o olho ao centro, é hábil no modo como põe as questões. Mas terá Vitorino hipóteses de ganhar? Essa é outra história. Para passar à segunda volta, terá de bater em princípio Marques Mendes – será a ‘luta dos baixinhos’.

Mas aí julgo que vencerá.

Entalado entre Gouveia e Melo e André Ventura, Marques Mendes – se se candidatar – arrisca-se a ter um resultado fraco.

E, sendo António Vitorino o candidato mais destacado do lado oposto do leque político, fica bem colocado para passar.

Claro que, na segunda volta, nada será igual.

Estando frente-a-frente Gouveia e Melo e Vitorino, dificilmente algum eleitor do PSD e do Chega votará neste, que ficará reduzido aos eleitores do PS e alguns à sua esquerda – pelo que o almirante ganhará com relativa facilidade.

Não sei se a diferença de votos será tão acentuada como a diferença de alturas, mas será significativa.

O que terá perdido, entretanto, António Vitorino?

Não terá perdido nada.

Perder contra um militar carismático, ainda por cima em tempo de guerra, não deslustra ninguém.