Portugal está cada vez mais envelhecido e o cenário não é animador. Até 2070, quase 40% da população portuguesa terá pelo menos 60 anos, de acordo com o relatório sobre envelhecimento entre a Fundação ‘la Caixa’ o BPI e a Nova SBE, numa altura, em que a idade da reforma aumenta e o Serviço Nacional de Saúde está longe de conseguir dar resposta. «Em Portugal, à semelhança do observado noutros países, a pirâmide demográfica sofreu uma clara modificação nas últimas duas décadas. Efetivamente, em 2001 a população com 60 e mais anos representava 21,67% da população residente em Portugal, mas em 2021 esse grupo etário correspondia já a 30,24% da população. Em 2070, prevê-se que a população com pelo menos 60 anos totalize 39,21% da população residente em Portugal, de acordo com dados do Eurostat», diz o documento.
Identificado o problema, por onde começar? «Temos um Serviço Nacional de Saúde, em particular, muito pensado para a resolução da doença aguda. Temos um problema, temos de o resolver rapidamente. Estes problemas da solidão e relacionados com o envelhecimento, doenças crónicas incluídas, são problemas de longo prazo em que por norma temos de envolver mais as pessoas na gestão da sua doença, que é um chavão que eu nem gosto particularmente, mas envolvê-las na partilha de soluções que elas queriam adotar e que as deixem mais confortáveis», disse Pedro Oliveira, diretor da Nova SBE.
Ao Nascer do SOL, Manuel Lemos, presidente das Misericórdias, diz que este cenário «obriga o Estado, nomeadamente na área das políticas mas também na área económica a olhar para este fenómeno, assim como a fazer escolhas». No entanto, reconhece, «às vezes, o Estado português não as faz».
De acordo com o documento, uma das soluções passará pela promoção do envelhecimento saudável e por combater a solidão, medidas que podem aliviar as despesas da saúde. «Perante o envelhecimento da população e a transição demográfica, tende-se a apontar o envelhecimento como uma das principais causas do continuado crescimento das despesas em saúde. O aumento da esperança média de vida e as consequentes alterações no perfil epidemiológico da população influenciam diretamente a despesa em saúde». E acrescenta: «Uma alteração na estrutura demográfica, com aumento do peso dos grupos etários mais avançados, poderá traduzir-se numa maior procura por cuidados de saúde. Sendo o setor da saúde intensivo no fator trabalho, um aumento da procura por cuidados de saúde, conjugada com falta de recursos humanos no setor, cria pressão para que os salários dos profissionais de saúde e, por conseguinte, os custos unitários de prestação de cuidados aumentem».
Sem dinheiro para comprar medicamentos
O relatório diz ainda que Portugal precisa de reforçar apoios sobretudo para os idosos com baixos rendimentos. Em 2023, 14,2 % não comprou os medicamentos por não ter dinheiro suficiente. Quanto ao acesso aos Cuidados de Saúde, os investigadores concluem que apesar da eliminação das taxas moderadoras no SNS, ainda não é suficiente, já que 11% dos portugueses não recorreu ao SNS depois de um episódio de doença.
E, a par das políticas públicas para um envelhecimento mais ativo, o estudo defende a necessidade de adaptação das cidades às necessidades dos idosos. «O impacto que o envelhecimento da população terá na despesa em saúde dependerá da evolução conjunta entre o perfil de morbilidade da população e o aumento da esperança média de vida. Idealmente, pretende-se caminhar em direção a um cenário de compressão de morbilidade. De facto, vidas mais longas e com melhores níveis de saúde mitigam o efeito direto do envelhecimento nas despesas em saúde, já que a necessidade de cuidados continua a concentrar-se nos últimos anos de vida», refere o documento.
Uma realidade que Manuel Lemos não estranha. «É verdade que isso acontece e depois ficamos muito incomodados com a verdade. Mas também é por isso que o Estado tem estado a aumentar, e bem, a isenção das participações dos idosos. É uma inevitabilidade», refere ao nosso jornal. E como solução refere que é necessário fazer as escolhas certas e não gastar dinheiro mal gasto. «O nosso dinheiro não é infinito. O SNS inglês divulgou agora um reforço de um acordo com o setor social e privado, enquanto aqui as pessoas continuam a achar que só o setor público é que pode fazer SNS. O que é isso de privatizar a saúde? O SNS é um imperativo constitucional, cabe ao Estado português assegurar o SNS, mas não diz que o prestador desse prestador de SNS é só o setor público. Está-se a confundir a boa ideia constitucional de que o Estado português tem de garantir aos cidadãos a prestação de cuidados de saúde com quem presta esse serviço». E não hesita: «Sou um dos defensores que o Estado seja um prestador forte, em nome da autonomia nacional, depois é o setor social que tem interesse público e depois o privado. O setor privado nunca esteve fora do sistema. Quem é que faz as análises? Não é o setor privado? Vivemos num conto de fadas».
O documento diz, no entanto, que, o controle dos níveis de morbilidade na população idosa também permite controlar, de forma indireta, a despesa em saúde. «Se o aumento da esperança média de vida se traduzir em mais anos vividos em boa saúde e não em mais anos vividos em morbilidade, a procura por cuidados de saúde e por cuidados de longa duração, em particular, aumentará de forma menos pronunciada. Tal permitirá atenuar a pressão ascendente nos salários dos recursos humanos em saúde, limitando o aumento do custo unitário de prestação de cuidados», acrescenta.
Cuidados continuados: metas por cumprir
As metas definidas para 2016 no âmbito da Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados (RNCCI) continuam por alcançar e os objetivos de cobertura permanecem por concretizar. Esta é uma das conclusões da auditoria do Tribunal de Contas (TdC) que avalia esta rede assente numa Parceria Público-Social, criada em 2006, que tinha como objetivo garantir o acesso dos utentes a cuidados de saúde de qualidade e financeiramente comportáveis no período de 2017 a 2023.
De acordo com o documento, a despesa pública com esta rede ascendeu a 279 milhões de euros em 2023, o que representa o valor mais alto de sempre e um aumento de 18,2% em relação a 2022. Os gastos das famílias atingiram os 45 milhões de euros, cerca de 13,9% dos encargos totais com a rede em 2023 (324,2 milhões de euros).
A auditoria concluiu que se registaram menos 4.774 lugares de internamento e menos 52 equipas de apoio domiciliário do que o previsto, o que representa um desvio negativo de, respetivamente, 33,3% e 14,3%. O relatório indica que as metas de desenvolvimento da rede foram revistas em 2024, remetendo agora a sua concretização para 2030.
Para Manuel Lemos, o resultado desta auditoria dá razão às preocupações da União das Misericórdias Portuguesas, no sentido de que é preciso reforçar o financiamento da rede. Depois disso também é necessário rever o funcionamento da rede. «A empresa que fez o estudo para o Estado português em 2005/2026 previa que em 2016 houvesse 15 mil camas e estamos em 20225 e tem 10 mil camas. E porque é que tem 10 mil e não as 15 mil? Porque o Estado nunca assumiu a sua responsabilidade de pagar as camas, nem assumiu a responsabilidade de com os parceiros refletir o melhor funcionamento da rede», diz ao Nascer do SOL.
Em fila de espera
O documento chama ainda a atenção para o facto de existirem, no final de 2023, 1.804 utentes a aguardar vaga nas diferentes tipologias da rede (um aumento de 9,9% face a 2017), aos quais acresciam 2.267 utentes (mais 93,6% relativamente a 2017) cujos processos de referenciação ainda se encontravam em fase de validação.
O relatório revela também que, em 2023, aumentou a pressão sobre a capacidade de resposta da rede, em resultado do crescimento de 28,5% no número de utentes referenciados (+11.328 face a 2017), observando-se assimetrias regionais nos tempos de acesso às diferentes tipologias. «A auditoria concluiu ainda que a evolução da atividade assistencial entre 2017 e 2023 reflete uma estagnação da capacidade instalada, com o número de utentes assistidos na rede a crescer a uma média anual de 2,1%, em linha com a variação média anual do número de diárias de 2,2%», acrescentando que a falta de resposta da rede «é a principal causa de internamentos inapropriados nos hospitais, que têm vindo a contratar cada vez mais camas de retaguarda ao setor privado e social, cujo gasto médio por diária de internamento (111,98 euros) tem sido superior ao preço das diárias de internamento na rede, o que revela o potencial de poupança associado ao seu alargamento e à melhoria da sua capacidade de resposta».
Além das fragilidades estruturais do sistema de informação da RNCCI, o Tribunal de Contas alerta para o facto de o modelo de financiamento da rede assentar na atividade realizada, indiferente à qualidade dos cuidados prestados e aos resultados alcançados, com preços fixados não sustentados em metodologias de custeio, determinados administrativamente e sem revisão periódica, o que constitui um risco para as finanças públicas, para a sustentabilidade das unidades e para o seu desenvolvimento, mais premente num contexto de progressivo envelhecimento populacional.
E face a este cenário, o TdC avança com um conjunto de recomendações às ministras da Saúde e da Segurança Social, nomeadamente no que diz respeito à promoção e ao desenvolvimento estrutural da rede, «considerando o previsível aumento de necessidades e a revisão, atualização e calendarização dos seus objetivos de expansão, tendo em conta as metas definidas e a recuperação dos atrasos verificados na sua concretização». Ao mesmo tempo, recomenda que promovam a avaliação e a revisão do modelo de funcionamento e financiamento da rede, chamando a atenção para o compromisso assumido pelos vários governos com o setor social e solidário.